Estudar o livro de Apocalipse não tem sido uma tarefa fácil entre os cristãos ao longo dos tempos. Essa dificuldade, em parte se dá pelo estilo literário do próprio livro, porém, algo que contribui muito para a falta de compreensão do Apocalipse é a quantidade de teorias e interpretações equivocadas que surgiram, principalmente nas últimas décadas.
Como estudar o livro do Apocalipse?
Existem diferentes interpretações e estilos hermenêuticos a respeito do livro do Apocalipse. Conhecer profundamente cada uma dessas interpretações ou “correntes escatológicas”, certamente será de grande utilidade para a leitura do Apocalipse.
Tais interpretações diferem acerca do método de organização do conteúdo do livro, do período em que as profecias do livro se referem, de como será a segunda vinda de Cristo, qual será a condição da Igreja em relação a grande tribulação, como se dará a ressurreição dos mortos, e, por fim, como interpretar o milênio. Como auxilio, recomendo alguns estudos sobre escatologia.
Neste texto, veremos de forma resumida e simples, alguns pontos importantes que devemos considerar ao ler e estudar o livro do Apocalipse.
Atenção ao Título do Apocalipse
Muitas pessoas já abrem o livro do Apocalipse como um tipo de código criptografado acerca dos eventos futuros. Desenham mapas, criam fórmulas, encontram elementos ocultos e, claro, se perdem num tipo de “neurose escatológica”. Esse tipo de obsessão contradiz totalmente o título do livro que é Apocalipse.
A palavra “Apocalipse” vem do grego “apokalypsis” e significa “revelação”, no sentido de “tirar o véu”, “tirar aquilo que encobre”, ou seja, é o conceito oposto do “oculto” e do “escondido”. O primeiro versículo do livro já nos ensina muito:
Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo.
(Apocalipse 1:1)
O livro do Apocalipse não esconde, ao contrário, ele revela. Note que a revelação vem de Deus, e o objetivo é mostrar aos seus servos o que Ele quer que estes saibam. Portanto, encare o livro do Apocalipse com essa simplicidade inicial, e isso irá lhe servir de grande ajuda na compreensão do livro.
Considerar o contexto histórico do Apocalipse
É impossível compreender corretamente o livro do Apocalipse se for desconsiderado o contexto histórico em que o livro foi escrito. O escritor do livro se apresenta apenas como João. Penso que o único João que poderia escrever para sete igrejas da Ásia Menor, e que, naquela época, dispensava maiores apresentações, é o Apóstolo João.
O livro provavelmente foi escrito entre 95 e 96 d.C., durante o governo do imperador romano Domiciano. Esse foi um período onde a Igreja foi duramente perseguida. Todos os Apóstolos já haviam sido mortos, com exceção de João, que era o único Apóstolo ainda vivo, porém estava prisioneiro do Império Romano.
O imperador havia se declarado deus e senhor, e o culto ao imperador tinha sido instituído no império. Os cristãos estavam sendo perseguidos, torturados, presos e mortos. Muitos corpos de cristãos serviam como “tochas humanas” para iluminar a noite romana.
Não tão distante, eles presenciaram, segundo a tradição cristã, o apóstolo Paulo sendo decapitado, o apóstolo Pedro crucificado de cabeça para baixo, e agora o último Apóstolo, uma liderança importante para a Igreja Primitiva, estava exilado na Ilha de Patmos. O cristianismo estava sendo massacrado, e este parecia ser o fim. É nesse cenário que Deus revela a João o conteúdo do livro do Apocalipse.
O propósito e o tema do livro do Apocalipse
Vimos no tópico anterior o contexto histórico do livro do Apocalipse. Portanto, não podemos classificar o Apocalipse como um “manual sobre o futuro”. A Igreja de Cristo naquela época estava enfrentando uma tribulação muito grande e precisava de uma resposta. Imaginem a satisfação e a esperança daqueles irmãos quando tiveram notícias de que o Apóstolo João havia tido revelações da parte de Deus, registrado tais revelações e enviado o conteúdo para eles.
Não faz sentido algum entender que as revelações a partir do capítulo 4 se referem exclusivamente a um período futuro. Eles esperavam por respostas e consolo da parte de Deus. Eles não estavam interessados na situação do Oriente Médio, na política da Europa e na influencia da América dois mil anos depois. Digo isto porque muitos encontram no Apocalipse, através de mapas e códigos, as empreitadas de Napoleão, o nazismo de Hitler, profecias de ataques terroristas, as eleições presidenciais americanas e o comportamento da Rússia.
Esse não é o propósito verdadeiro do livro. O objetivo principal do livro do Apocalipse é confortar a Igreja de Cristo diante das provações neste mundo, mostrando que Deus está atento a suas lágrimas e aflições, e que existe uma guerra espiritual muito maior do que se imagina, porém, a vitória de Cristo e de Sua Igreja sobre Satanás, seus agentes e seguidores é garantida. O Apocalipse ensina claramente para a Igreja que não há o que temer.
Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, e eleitos, e fiéis.
(Apocalipse 17:14)
Organização do conteúdo do livro do Apocalipse
É muito importante organizar o conteúdo do livro do Apocalipse para que possamos estudá-lo corretamente. O livro do Apocalipse pode ser dividido em sete seções que contam a mesma história, porém de ângulos diferentes, ou seja, é uma organização cíclica, de forma que em cada seção a narrativa vai se intensificando, adicionando novos elementos e nos revelando em detalhes a consumação da História com a segunda vinda de Cristo, o Juízo Final e o Estado Eterno com novo céu e nova terra.
Esse sistema de organização é conhecido como Leitura de Recapitulação ou Paralelismo Progressivo. O renomado teólogo e pastor Willian Hendriksen, um dos maiores expositores do Novo Testamento, em sua obra Mais Que Vencedores, propõe a seguinte organização:
- <Cristo no meio dos sete candeeiros de ouro (1-3);
- O livro com os sete selos (4-7);
- As setes trombetas de juízo (8-11);
- A mulher e o filho perseguidos pelo dragão e seus auxiliares (12-14);
- As sete taças de ira (15, 16);
- A queda da grande Babilônia e das bestas (17-19);
- O julgamento do dragão, seguido pelo novo céu e nova terra, e a descrição da Nova Jerusalém (20-22).
Em todas essas seções temos referências à volta de Cristo e o Juízo Final (Ap 1:7; 6:12-17; 11:15; 14:14,15; 16:20; 19:11,12; 20:11-15). Esse sistema de recapitulação, ou Paralelismo Progressivo, não é uma exceção do Apocalipse, mas é amplamente encontrado em toda a Bíblia.
Existe também outro estilo de leitura, que é conhecida como Leitura de Sucessão ou Linear, que como o próprio nome já diz, organiza o conteúdo do livro de Apocalipse de forma cronológica e linear, ou seja, um capítulo sucede o outro com eventos inéditos, porém esse sistema resulta em uma leitura completamente confusa e sem propósito.
Simbolismo no livro do Apocalipse
Outra coisa muito importante é perceber os simbolismos utilizados no livro do Apocalipse, e estar atento para não interpreta-los de forma literal. A maioria das pessoas que consideram Apocalipse um livro aterrorizante e confuso, não se atentam para os símbolos do livro, o que acarreta em um entendimento bastante fantasioso.
No primeiro capítulo do livro já encontramos uma clara advertência de que as visões dadas ao Apóstolo João seriam carregadas de simbolismo:
E virei-me para ver quem falava comigo. E, virando-me, vi sete castiçais de ouro;
E no meio dos sete castiçais um semelhante ao Filho do homem, vestido até aos pés de uma roupa comprida, e cingido no tórax com um cinto de ouro.
E a sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os seus olhos como chama de fogo;
E os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a sua voz como a voz de muitas águas.
E ele tinha na sua destra sete estrelas; e da sua boca saía uma aguda espada de dois fios; e o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece.
(Apocalipse 1:12-16)
Agora perceba como é interessante o último versículo do mesmo capítulo:
O mistério das sete estrelas, que viste na minha destra, e dos sete castiçais de ouro. As sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete castiçais, que viste, são as sete igrejas.
(Apocalipse 1:20)
Note que o versículo 20 interpreta a simbologia contida nos versículos anteriores, onde temos uma descrição simbólica de Jesus, e que não deve ser interpretada de forma literal. Cada detalhe dessa simbologia descreve a majestade do nosso Senhor.
Os cabelos brancos como a alva lã simbolizam a eternidade; os olhos como chamas de fogo mostram que os olhos do Senhor penetram cada coração, cada lugar não ficando nada escondido; os pés de bronze mostram o juízo do Senhor que pisa o iníquo; a espada de dois gumes que sai de Sua boca e a própria Palavra de Deus, que penetrar, divide separa e nada pode lhe resistir; e seu rosto como sol mostra todo o esplendor e resplandecência dEle, tão intenso e glorioso que ao homem é impossível olhar.
Assim, entendemos claramente que essa figura é um símbolo de Cristo, e não Sua descrição literal. O versículo 20 parece nos dar um aviso claro dizendo: Preste atenção! Perceba a simbologia! Não interprete tudo de maneira literal, pois se não, você não entenderá nada!
Este mesmo princípio simbólico é aplicado aos números encontrados no livro do Apocalipse, que aparecem tanto explicitamente quanto implicitamente. Esse tópico merece uma ampla análise, devido à tamanha profundidade do assunto.
Por hora, resumidamente, podemos dizer que o número mais significativo do Apocalipse é o numero 7, sendo aplicado explicitamente 54 vezes no Apocalipse e, implicitamente, podemos destacar que temos 7 seções que divide o conteúdo (já apresentado), sete referências diretas a segunda vinda de Cristo e o juízo que virá, 7 bem-aventuranças, 7 referências a Palavra de Deus, 7 vezes ocorre a afirmação de que Deus é todo poderoso, dentre outras.
Também encontramos o número 4, sendo utilizado principalmente para simbolizar eventos terrenos. É possível encontrar o número 3, tanto implicitamente quando explicitamente. Já o número 10 sempre aparece ligado às forças do mal, enquanto o número 12 e seus múltiplos sempre aparecem ligados ao povo de Deus. Por fim, o número 6 também é registrado, quando ele ocorre ou está ligado ao juízo de Deus sobre o mal, ou está ligado diretamente ao próprio Satanás. Se o número 7 é o número divino, o 6 pode mostrar o como Satanás e seus seguidores tentam ser parecido com Deus, porém fracassam, e nunca conseguirão. O número 666 é um exemplo claro desse princípio.
Realmente a muito que ser dito sobre o livro do Apocalipse, e é necessário constante estudo e oração para entender não só ele, mas toda a Palavra de Deus. O principal ao estudar este livro tão maravilhoso, é perceber sua simplicidade, sempre considerando a mensagem como um todo, focando sempre a promessa de que o nosso Senhor voltará, julgará o mundo e para sempre a Igreja viverá com Ele. Entendendo isso, as figuras simbólicas e os detalhes presentes no Apocalipse serão mais facilmente interpretados.