Muitos cristãos tem dificuldade em entender a relação entre lei e graça. Alguns pensam que a graça anulou a lei. Outros pensam que a graça e a lei são completamente opostas. A maioria dessas dúvidas tem origem na interpretação equivocada de alguns textos bíblicos.
Romanos 6:14 é um dos principais textos bíblicos quando se fala na relação entre lei e graça. Paulo escreve que o cristão não está mais debaixo da lei, mas debaixo da graça. Tomada de forma isolada, fora de contexto, essa afirmação pode levar a falsos ensinos.
Lei e graça: a graça anula a lei?
A Bíblia definitivamente não diz que a graça anula a lei. Na verdade ela mostra que Cristo veio cumprir a lei e não revogá-la. Mas como entender as passagens bíblicas que dizem que não estamos debaixo da lei? Em primeiro lugar, é preciso entender que a lei de Deus é a expressão de sua vontade. Ela reflete o caráter de Deus.
A lei de Deus instrui o homem sobre aquilo que ele deve e não deve fazer. Assim, a lei indica como alguém pode ter uma vida de acordo com o padrão moral aceito por Deus. Essa lei está revelada e registrada de forma especial nas Escrituras.
Deus revelou sua vontade ao homem de forma progressiva ao longo da história da salvação. Isso indica que a lei possui diferentes aspectos, de acordo com as circunstâncias em que foi dada. Normalmente a teologia reformada divide a lei em três partes: lei moral, lei judicial e lei cerimonial. Não pense nessas partes como leis independentes, mas como categorias de uma mesma lei.
A lei moral serviu de alicerce para a lei judicial e a lei cerimonial. A lei judicial regulamentava as regras sociais e criminais dos israelitas. A lei cerimonial basicamente falava sobre os rituais religiosos da época do Antigo Testamento.
A lei judicial e a lei cerimonial eram temporárias. Elas tinham um significado simbólico que apontava para Cristo. Portanto, elas serviram às situações históricas específicas e não são mais aplicadas. Porém, a lei moral permanece válida e aplicável. Se a lei moral é uma expressão do caráter de Deus, jamais a graça poderia anulá-la.
A graça salva, a lei condena
Vimos que os aspectos judicial e cerimonial não são mais aplicados. Pela graça de Deus, hoje o Evangelho é pregado a todo o mundo, sem distinção. A salvação pela graça não está restrita a uma única nação.
Como todos os rituais e símbolos religiosos apontavam para Cristo, eles foram cumpridos na pessoa do Filho de Deus. Hoje não precisamos mais oferecer sacrifícios para o perdão de pecados, pois Cristo ofereceu-se a si mesmo como sacrifício perfeito na cruz. A obra de Cristo é suficiente de uma vez por todas para nos justificar diante de Deus.
Além disso, não necessitamos mais de intermediários como os sacerdotes para ter comunhão com Deus. Cristo é nosso único mediador, e por intermédio de sua obra todos os redimidos foram feitos reis e sacerdotes (1 Pedro 2:9). Pela ação do Espírito Santo, hoje temos acesso direto ao trono.
Mas também vimos que a lei moral de Deus não mudou, e continua válida. O próprio Jesus falou sobre a imutabilidade da lei moral (Mateus 5:17-19). A lei exorta, repreende, exige e condena, mas ela não pode salvar.
A lei lança luz ao pecado; ela contrasta a perfeita justiça e santidade de Deus com a miséria humana. Ela aponta o erro, condena o pecado e mostra o que deve ser feito. Porém, ela não concede poder para o homem cumprir suas ordenanças.
Logo, ninguém pode ser salvo pelas obras da lei (Gálatas 2:16). Nem mesmo no período do Antigo Testamento a lei serviu como instrumento de salvação. Todas as pessoas que foram salvas na história da humanidade foram salvas pela graça, mediante a fé (Romanos 4; Efésios 2:8).
Não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça
A Bíblia diz que o crente não está debaixo da lei, mas debaixo da graça (Romanos 6:14). Esta frase explica de forma perfeita a relação entre lei e graça. No entanto, ela não está dizendo que a lei foi anulada, e que os cristãos não possuem qualquer obrigação moral.
A expressão “debaixo da lei” simplesmente significa que o cristão não está sob a maldição da lei. Por causa do pecado, a lei que foi dada para a vida, tornou-se ocasião de morte (Gênesis 2:15-17). O homem em Adão é escravo do pecado; ele é incapaz de cumprir a lei de Deus. Por isso, depois da Queda a lei opera somente para a morte. Saiba o que foi a Queda do homem.
Mas por que os cristãos não estão debaixo da lei? Porque eles estão debaixo da graça! Deus enviou seu Filho para que a justiça da lei se cumprisse em nós. Através da obra redentora de Cristo, aplicada pelo Espírito Santo na vida do crente, ele é capacitado a satisfazer as exigências da lei.
Cristo fez o que não poderíamos fazer. Ele tomou sobre si a maldição da lei e colocou-nos debaixo da graça (Romanos 8:1-5). O resultado é que agora já não há nenhuma condenação para aqueles que estão em Cristo (Romanos 8:1).
Cumprindo a lei pela graça
Por desconhecer a verdadeira relação entre lei e graça, muitas pessoas construíram doutrinas heréticas. Algumas dessas pessoas entendem errado a liberdade da salvação pela graça e negam a função da lei moral de Deus. Para elas, o cristão não tem qualquer compromisso com a lei, resultando numa vida de devassidão. Essa visão é chamada de Antinomismo.
Outras pessoas enfatizam por demais a lei em detrimento da graça. O resultado é uma distorção completa da doutrina da salvação pela graça. Nessa visão, a obediência da lei moral é instrumento para se obter méritos diante de Deus. Isto implica na famosa ideia de salvação pelas obras. Essa visão é chamada de Legalismo.
A doutrina bíblica indica algo completamente diferente. O cristão está livre da lei como meio de salvação, mas está debaixo da lei de Cristo, que serve como sua regra de vida. O redimido nunca estará sem lei para com Deus (1 Coríntios 9:21; Gálatas 6:2).
O Espírito Santo conduz o redimido a uma vida de obediência à lei de Deus. Mas essa não é uma obediência pesada e forçada. Ao contrário, essa é uma obediência prazerosa que o faz ser cada vez mais semelhante a Cristo.
Por isso o salmista declarou o quanto se deleitava na lei de Deus (Salmo 119:1-20). O verdadeiro cristão jamais conseguirá olhar para a lei e a graça como coisas opostas. Ele sabe que a lei o orienta a uma vida de obediente gratidão pela graça que o alcançou. Na verdade é pelo espelho da lei que ele compreende a grandiosidade da salvação pela graça. Ele sabe que a lei é a perfeita vontade de Deus, e para ele a vontade do Deus que o redimiu é graça.