O Arrebatamento Secreto da Igreja é um ensinamento conhecido por todos os crentes e seguido como doutrina por pelo menos 90% dos cristãos no mundo. Mas será que é isso mesmo que a Bíblia nos ensina? De fato o Arrebatamento da Igreja será secreto?
Vejamos abaixo quais são os textos mais utilizados para defender um Arrebatamento Secreto. Não irei discutir a questão da Igreja e a Grande Tribulação. Para isso leia o texto “A Igreja Passará Pela Grande Tribulação?“.
A volta de Jesus será como um relâmpago
Foi o próprio Jesus no Sermão Escatológico que define Sua vinda como um relâmpago (Mt 24:27; Lc 17:24). O problema é que muitas pessoas interpretam esse texto de maneira equivocada, e acreditam que Jesus estava ensinando que Sua vinda será tão “rápida” como um “relâmpago que sai do oriente e se mostra no ocidente”, e, logo, o evento será então invisível, imperceptível e secreto. Porém não é isso que o texto está dizendo.
Quando Jesus ensinou que Sua vinda seria como um relâmpago Ele não estava querendo dizer que ninguém iria perceber esse momento, ao contrário, Ele utilizou o exemplo do relâmpago para trabalhar duas verdades sobre Sua vinda: será repentina e visível.
A volta de Jesus será repentina, assim como o relâmpago que em uma tempestade todos sabem que pode ocorrer, mas ninguém consegue prever exatamente quando e onde ocorrerá. Às vezes somos surpreendidos por um raio caindo em um local próximo a nós e, geralmente, ficamos surpresos e assustados, pois foi repentino, mas isso não implica que esse acontecimento foi secreto e invisível. É fundamental então percebermos que “repentino” não é a mesma coisa que “secreto”.
É lamentável que alguém interprete essa passagem de maneira errada, pois contradiz o principal objetivo de Jesus ao dar esse exemplo. Para entendermos isso basta considerarmos o versículo anterior a este e que levou Jesus a usar tal exemplo:
Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis.
(Mateus 24:26)
Note que Jesus alerta que muitos estarão anunciando que o Cristo estará em diversos lugares, mas isso será mentira porque quando Ele realmente vier todos perceberão, pois será como um relâmpago. O exemplo do relâmpago é muito claro e fácil de entender já que é impossível comparar o aparecimento de um relâmpago com algo imperceptível e secreto. Quando um relâmpago aparece no céu ele se mostra esplendoroso, visível a todos, ilumina o céu até mesmo quando ocorre durante o dia, seu barulho é estrondoso e, para grande parte das pessoas, ele é apavorante. Diante desses aspectos é que Jesus usa tal expressão. Não há como não perceber um relâmpago quando ele ocorre. Por fim, no original a expressão de Jesus remete ao sentido de evidência, um evento perceptível e sem ambiguidade, porém sobretudo repentino.
A volta de Jesus será como um ladrão
Essa é outra expressão que muitas vezes é mal compreendida. Novamente Jesus utilizou um exemplo que demonstra a natureza inesperada de Sua vinda, e em nada tem a ver com um evento secreto.
O Apóstolo Pedro que estava presente nesse sermão de Jesus também utilizou o mesmo exemplo em sua segunda Epístola:
O dia do Senhor, porém, virá como ladrão. Os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há, será desnudada.
(2 Pedro 3:10)
Podemos claramente notar que Pedro coloca o exemplo do ladrão para afirmar como esse momento será inesperado (ver 2 Pe 3:3-4), porém totalmente visível. Não existe a menor possibilidade de o evento descrito no versículo acima ser secreto.
Para quem ainda não se convenceu, também podemos considerar a versão do apóstolo Paulo sobre esse momento, e utilizando o mesmo exemplo do ladrão:
Irmãos, quanto aos tempos e épocas, não precisamos escrever-lhes,
pois vocês mesmos sabem perfeitamente que o dia do Senhor virá como ladrão à noite.
Quando disserem: “Paz e segurança”, então, de repente, a destruição virá sobre eles, como dores à mulher grávida; e de modo nenhum escaparão.
Mas vocês, irmãos, não estão nas trevas, para que esse dia os surpreenda como ladrão.
(1 Tessalonicenses 5:1-4)
No texto aos Tessalonicenses, Paulo ensina primeiramente que não adianta marcar datas e fazer previsões, pois a vinda de Cristo será inesperada, assim como o ladrão à noite, porém quando esse momento chegar será de grande destruição para os ímpios. No versículo 4 ele explica que os verdadeiros cristãos não serão surpreendidos.
Num abrir e fechar de olhos
1 Coríntios 15:51-53 também é utilizado para tentar defender um Arrebatamento Secreto, e a frase preferida é “num abrir e fechar de olhos”. Considerando principalmente o texto em grego (idioma que foi escrito originalmente), o que Paulo está tratando é a questão da imortalidade e o caráter sobrenatural e misterioso desse momento, pois pessoas que já morreram terão seus corpos ressuscitados instantaneamente, revestidos de incorruptibilidade, ao soar da trombeta, juntamente com quem estiver vivo na ocasião. Paulo, mais de uma vez, escreveu exortações de consolo aos cristãos que estavam tristes com a perda de seus entes queridos, e também para esclarecer que os que já morreram não estavam em desvantagem diante da volta de Cristo.
O encontro com o Senhor nos ares
Escrevendo aos Tessalonicenses, Paulo, mais uma vez, fala exatamente sobre o mesmo momento descrito na Epístola aos Coríntios:
Dizemos a vocês, pela palavra do Senhor, que nós, os que estivermos vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, certamente não precederemos os que dormem.
Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.
Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre.
Consolem-se uns aos outros com estas palavras.
(1 Tessalonicenses 4:15-18)
É fácil perceber que Paulo está falando do mesmo evento de 1 Coríntios 15, e nesse texto aos Tessalonicenses fica ainda mais claro o objetivo de confortar os cristãos acerca da morte. Por incrível que pareça esse texto é talvez o mais utilizado para defender o Arrebatamento Secreto, principalmente sob a frase “para o encontro com o Senhor nos ares”, que segundo quem defende essa teoria, Cristo ficará nas nuvens e não tocará a terra.
Sobre isso, primeiramente precisamos dizer que a afirmação de que Cristo virá nas nuvens é uma informação que encontramos amplamente em outras passagens bíblicas (Dn 7:13; Mc 13:26; 14:62; Ap 1:7) e nenhuma dessas passagens ensina qualquer coisa relacionada a um Arrebatamento Secreto ou invisível. Se pegarmos a referência de Marcos 13:26 o próprio Jesus afirma que “então verão vir o Filho do homem nas nuvens”. O Apóstolo João também estava presente nesse sermão e entendeu perfeitamente as palavras de Jesus, sendo que em Apocalipse 1:7 nada contradiz o que Jesus já havia falado.
Sobre o fato de a Igreja encontrar com o Senhor nos ares, o termo grego utilizado para descrever essa situação (eis apantesin tou Kyriou) é uma expressão antiga para se referir as boas vindas cívicas de uma visita importante, ou para saudar a entrada triunfante de um soberano na cidade. Por exemplo: quando alguém de muita autoridade visitava uma cidade, os principais cidadãos saiam ao seu encontro para acompanha-lo na última etapa do caminho. A mesma expressão é utilizada na Parábola das Dez Virgens, onde as virgens saíram ao encontro do noivo (eis apantesin tou Kyriou). Pelo costume da época, o noivo ia à noite até a casa da noiva e as virgens encontravam o noivo no caminho com uma recepção festiva e o acompanhava voltando até a casa da noiva.
No versículo 16 Paulo não deixa dúvida de que não se trata de um momento secreto e invisível, pois será “dada a ordem, com voz de arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus”. O ressoar da trombeta, a ressurreição dos mortos em corpos ressurretos, o ajuntamento dos que estiverem vivos tendo seus corpos transformados e a recepção festiva ao nosso Senhor nos ares, conforme vimos acima, em nada me parece um momento secreto, invisível e instantâneo.
Um será levado e outro será deixado
Essa passagem pode ser encontrada em Mateus 24:40, e, embora essa passagem também seja utilizada para supor um Arrebatamento Secreto, não é isso que o texto está dizendo. Se lermos atentamente perceberemos que no versículo 39 Jesus usa como exemplo os dias de Noé, onde as pessoas tinham seus afazeres até que veio as águas do Dilúvio e levou a todos eles, sendo salvo apenas Noé e sua família. Note que quem foi levado não foram os justos (Noé e sua família), mas os ímpios pelo Dilúvio, ou seja, o que o texto está descrevendo é o juízo de Deus, onde será separado o justo do ímpio do justo. No mesmo capítulo 24 de Mateus no versículo 51, após uma pequena parábola, Jesus responde como será essa separação e para onde estes serão levados, no caso, a um lugar de pranto e ranger de dentes. Na passagem correlata em Lucas 17 no versículo 37 Jesus também ensina o mesmo principio.
O Arrebatamento da Igreja será um evento visível
Biblicamente não resta dúvida de que a volta de Cristo será um momento incomparável, um evento de proporções inimagináveis, de grande glória e visível a todos.
No Sermão Escatológico, Jesus não fez referência alguma a um Arrebatamento Secreto (se fez então realmente foi secreto, pois não podemos encontrar no texto). Paulo e o apóstolo Pedro também de forma alguma ensinaram essa doutrina e em Apocalipse o Apóstolo João nem se quer cita tal possibilidade (ele também entendeu os ensinos de Jesus). Sem contar que os termos gregos utilizados para se referir a esse momento (apokalypsis, epiphaneia, parousia e harpazo) são utilizados de forma intercambiáveis, e, dependendo do contexto, no máximo se complementam, isto é, não sugerem nenhuma distinção de eventos entre um “secreto” e outro “visível”.
Embora alguns defendam que há indícios de que no século IV d.C. Efraim da Síria parece ter ensinado algo parecido, podemos dizer que oficialmente a origem do Arrebatamento Secreto esteja no século IXX, onde o Pré-Tribulacionismo começou a ser ensinado massivamente.
Foi também nesse período que ocorreram muitas supostas revelações acerca de uma arrebatamento secreto da Igreja, ou pelo menos de uma parte dela. Uma das mais conhecidas revelações é da de uma jovem da Igreja de Edward Irving, que relatou ter tido uma revelação particular de que alguns cristãos seriam arrebatados secretamente (pouco tempo antes dela, essa teoria estava começando a se formar).
Alguns dizem que J. N. Darby, membro dos chamados Irmãos de Plymouth e considerado o maior expoente do Dispensacionalismo, adaptou essa revelação e considerou essa visão como uma nova revelação do Espírito Santo para a Igreja. Outros já afirmam que J. N. Darby nunca foi influenciado pela revelação da jovem, sendo que ele mesmo a considerava uma pessoa perturbada.
Seja como, certo é que ali surgia uma nova doutrina. J. N. Darby acoplou esse novo ensino sobre o arrebatamento dentro de seu método teológico dispensacionalista de esquematizar a Bíblia e se dedicou bastante em ensiná-lo através de viagens, livros e artigos. Mas foi com C. I. Scofield e a publicação da Bíblia de Referência Scofield em 1909 que vendeu milhões de cópias, que o arrebatamento secreto se tornou mundialmente popular.
Embora discorde profundamente dessa teoria, penso que esse não deva ser um motivo de divisão entre os cristãos. Secretamente ou visivelmente, o importante é almejarmos incessantemente pelo momento da volta do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.