A ideia de que o crente não passa por tribulação não se sustenta à luz da Palavra de Deus. Isso porque a Bíblia não deixa qualquer dúvida de que o cristão também enfrenta tribulação e sofrimento. Apesar disso, algumas pessoas insistem na ideia de que se uma pessoa é afligida por algum sofrimento, isso significa que essa pessoa não é temente a Deus.
Na própria Escritura, por exemplo, os amigos de Jó sustentavam esse tipo de entendimento. Inclusive, isso fica muito claro na ideia de Zofar, um dos amigos de Jó, que acreditava que o justo jamais era atribulado (Jó 11). De fato, é inegável que há uma relação entre o pecado e o sofrimento. Mas nem sempre essa questão deve ser abordada de forma simplista através de um conceito de causa e efeito.
O motivo disso é que o justo também passa por tribulação, ou seja, o povo de Deus também sofre; como também é verdade que muitos ímpios prosperam, e não são poucas as vezes em que eles vivem suas vidas terrenas sem sentir o peso do julgamento por seus pecados.
A teologia que diz que crente não passa por tribulação
De todos os amigos de Jó, podemos dizer que a teologia de Zofar foi a mais severa. Assim como seus companheiros, no diálogo com Jó, Zofar aplicou princípios realmente bíblicos, mas de forma incorreta. Nesse sentido, basicamente Zofar falou sobre o fato de que Deus é absolutamente justo, sábio e transcendente. Sendo inteiramente justo, Deus pune o pecador. Sendo completamente sábio, o homem não é capaz de julgar a sabedoria divina na condução de todas as coisas. E sendo transcendente, o homem não é capaz de conhecer todos os desígnios de Deus.
Obviamente tudo isso é verdadeiro, mas Zofar aplicou essas verdades num tipo de teologia legalista que resumia o relacionamento entre Deus e o homem na base da retribuição. Em outras palavras, em sua teologia Zofar não conseguia aceitar que o crente passa por tribulação, pois ele enxergava todo sofrimento como um julgamento de Deus por causa do pecado; e toda prosperidade como uma aprovação divina por uma vida justa.
A aplicação da teologia equivocada sobre a tribulação do crente
Ao ver Jó sofrendo muito, tão logo Zofar concluiu que Jó não era um homem justo. Por esse motivo, seu discurso mostra sua indignação ao escutar Jó alegando que ele era inocente. Para Zofar, as palavras de Jó eram as palavras de um homem ímpio que ousava questionar a Deus se levantando contra o seu julgamento. Zofar chegou ao extremo de pensar que Jó, em sua defesa, havia se declarado impecável, e que na verdade o sofrimento de Jó, por pior que fosse, ainda não era condizente com o tamanho do seu pecado (Jó 11:4-6).
Mas Jó jamais se declarou impecável. Jó apenas declarou ser inocente naquela causa, ou seja, seus amigos acusaram Jó de ter uma vida de pecado, e Jó simplesmente afirmou que essa não era sua realidade, pois ele era um homem temente ao Senhor.
Zofar também aconselhou Jó a reconhecer o seu pecado e abandoná-lo; e se voltar a Deus através de uma vida reta e de oração. Se ele fizesse isso, então Deus haveria de restaurá-lo (Jó 13-20). Sem dúvida, esse conselho de Zofar é um bom conselho a ser aplicado na vida de um pecador impenitente. Mas definitivamente aquele não era o caso de Jó. Nesse ponto, a teologia de Zofar revelava sua arrogância ao pensar que sabia exatamente o motivo do sofrimento de Jó.
O crente também passa por tribulação
Como foi dito, muitos pontos nos argumentos de Zofar realmente eram corretos, mas aplicados de forma muito inadequada. O grande erro de Zofar foi excluir de sua teologia qualquer noção a respeito da graça do Senhor. Definitivamente, na teologia de Zofar não havia espaço para a misericórdia de Deus.
Além disso, embora ele tivesse falado a respeito da transcendência de Deus e de seu agir soberano no governo do universo, Zofar caia no erro de pensar que podia explicar exaustivamente como Deus trata com os homens ao reduzir esse tratamento numa visão simplista de bênçãos e maldições.
A verdade é que ao afirmar que o crente não passa por tribulação, depois de ter falado sobre a soberania e a sabedoria inacessível de Deus, a teologia de Zofar era contraditória. Isso fica claro em seu segundo discurso, quando ele falou de forma eloquente sobre o destino trágico dos perversos à luz da verdade do governo moral de Deus, mas aplicou esse princípio de forma desiquilibrada e de modo a anular a misericórdia de Deus (Jó 20).
Zofar estava certo ao afirmar que os ímpios são julgados por Deus. Mas ele errou ao não considerar que nem sempre esse julgamento ocorre nesta vida. Muitos ímpios vivem todos os seus dias sem passar por uma grande tribulação. Aparentemente eles morrem em paz, mas a Palavra de Deus deixa claro que o fato de suas vidas ter chegado ao fim nesta terra, não significa que eles ficarão impunes na eternidade.
Zofar também errou ao não enxergar quem nem sempre os atribulados são todos pecadores perversos. Os justos também são atribulados. Inclusive, Zofar estava tão cego que diante de seus olhos estava uma prova palpável da tribulação do justo, mas ele não foi capaz de enxergar. Ele não conseguiu perceber que o Deus sábio e transcendente do qual ele havia testemunhado, também pode usar o sofrimento para aperfeiçoar o caráter dos seus servos para o louvor de sua glória.