Todo ser humano está envolvido num ambiente cultural. Mas toda cultura, por sua vez, carrega os efeitos do pecado após a Queda, de modo que só o Evangelho muda a cultura humana em seus aspectos que desagradam a Deus, e a redime de modo a proclamar a glória do Senhor.
É verdade que muitos cristãos têm dúvida sobre qual deve ser o seu relacionamento com a cultura. Será que o crente deve se isolar culturalmente? Será que ele deve abraçar, sem reservas, a cultura de seu tempo e lugar? Ou será que deve haver uma abordagem equilibrada partindo do princípio de que o Evangelho muda a cultura humana?
O que é a cultura?
Não é uma tarefa fácil apresentar uma definição do que é a cultura. Ao longo dos tempos centenas de definições já foram apresentadas. A dificuldade se dá pelo fato de a palavra cultura ser frequentemente empregada de forma muito ampla e com sentidos diferentes.
Etimologicamente, a palavra cultura vem do latim e traz a ideia de “cultivar a terra” – que em sua raiz deriva de colere, “cuidar de”. O trabalho com o solo esteve entre as primeiras atividades desenvolvidas pela humanidade. Isso quer dizer que a agricultura não apenas serviu para desenvolver o conhecimento do homem no que diz respeito às atividades de cultivo, mas também a inúmeras outras atividades que tiveram lugar na história da raça humana.
Talvez por isso com o tempo a palavra cultura passou a ser empregada pelas pessoas para falar da ideia de “cultivar conhecimento”. Hoje, o conceito de cultura é extremamente complexo, e em seu sentido amplo abarca o resultado do conhecimento humano em todas as suas atividades. Então a cultura muitas vezes designa a soma das obras humanas tanto no que diz respeito à sua realização quanto no que diz respeito à sua apreciação. Isso obviamente inclui usos e costumes que refletem crenças e valores. Michael Horton define cultura como sendo “a atividade humana que intenciona o uso, prazer e enriquecimento da sociedade” (O Cristão e a Cultura).
Num sentido mais estrito, a palavra cultura conserva esse seu conceito mais amplo, mas o aplica de forma mais específica para designar as características – adquiridas, desenvolvidas e transmitidas – que são próprias de um grupo social numa determinada época.
Há ainda uma sub categorização da cultura no o que é chamado de “cultura popular” – esporte, política, educação, gêneros populares de música e arte, diversão, etc. – e o que é chamado de “alta cultura” – ciência, música, literatura e artes clássicas, etc.
Uma visão bíblica da cultura
A decadência cultural é inegável. Contudo, como cristãos devemos nos atentar a alguns princípios bíblicos sobre este assunto. Em primeiro lugar, precisamos saber que o mandato cultural é parte da aliança de Deus com a humanidade. O homem é a coroa da criação, e Deus lhe outorgou autoridade para dominar sobre ela. Isso, claro, implica no fato de que o desenvolvimento do conhecimento do homem, e o resultado dele em obras e realizações, são parte do propósito divino.
Ao criar o homem à Sua imagem e semelhança, Deus comunicou à criatura certas capacidades de cumprir esse propósito. Sendo à imagem de Deus, o homem se parece com o Criador em certo sentido; ou seja, Deus lhe comunicou certas características que refletem algumas qualidades divinas. Portanto, a cultura humana era originalmente boa, visto que o homem foi colocado neste mundo para ser o representante de Deus; o refletor de Sua glória. Além disso, a Bíblia diz claramente que tudo quanto Deus criou era muito bom (Gênesis 1:28).
Em segundo lugar, temos que reconhecer que de fato a cultura humana está sob os efeitos da Queda do Homem. O pecado contaminou o homem em todos os sentidos. Embora tenha sido criado originalmente bom, por causa do pecado agora o homem é inclinado ao mal. Então todas as suas obras, atividades, costumes, crenças e valores carregam as marcas do pecado.
O livro de Gênesis mostra isso muito claramente. Tão logo que a humanidade começou a se desenvolver, a cultura humana já era marcada por mentiras, assassinatos, imoralidades e outras coisas muito ruins (cf. Gênesis 4-6).
Em terceiro lugar, também precisamos admitir que nem todo resultado do conhecimento humano é mal. O pecado corrompeu a natureza humana e, consequentemente, sua cultura. Mas a imagem de Deus no homem não foi perdida – embora tenha ficado desfigurada. Por isso há coisas boas na cultura humana; coisas que resultam da graça comum de Deus para Suas criaturas; coisas que revelam a imagem de Deus no homem – ainda que não com nitidez – e que não afrontam o padrão moral de Deus.
Como o cristão deve lidar com a cultura?
Muitos cristãos ao longo dos tempos se posicionaram de forma totalmente contrária à cultura, criando um tipo de isolacionismo. Nesse grupo houve – e ainda há – a tentativa de estabelecer uma distinção rígida do que é supostamente sagrado e do que é supostamente secular.
Outros, por sua vez, acabaram abraçando totalmente a cultura, aceitando elementos que claramente são contrários à Palavra de Deus sob o pretexto de serem apenas aspectos culturais.
Obviamente ambos os posicionamentos estão errados e são perigosos. O primeiro está errado porque biblicamente não há essa distinção entre “sagrado” e “secular”. A Bíblia diz que “do Senhor é a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele vivem” (Salmo 24:1). O apóstolo Paulo escreve que “tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração” (1 Timóteo 4:4,5).
Além disso, o mesmo apóstolo escreve que devemos glorificar a Deus em todas as coisas que fazemos em nossas vidas (1 Coríntios 10:31). Aqueles que tentam separar artificialmente o sagrado do secular acabam criando uma sub cultura cristã que muitas vezes se mostra uma imitação patética do que eles chamam de “cultura secular”. Concordo com Michael Horton que diz que esse tipo de pressão para se criar versões “cristãs” de tudo no mundo, no fim é uma pressuposição de que realmente existe algo essencialmente errado com a Criação. Isso não deixa de ser uma desvalorização da obra de Deus na Criação?
Já o segundo grupo que abraça tudo o que há na cultura também erra porque ignora que, de fato, o pecado atingiu totalmente a raça humana e aquilo que é produzido por ela. Essas pessoas tentam incorporar no Cristianismo todo e qualquer elemento cultural, adotam o relativismo e se tornam coniventes – e até propagandistas – de costumes, ideologias e atividades que transgridem a lei moral do Senhor. Por exemplo: cristãos que defendem o aborto e a legalização das drogas, cristãos que enxergam comportamentos imorais e desonestos como simples traços culturais que devem ser aceitos etc.
O Evangelho muda a cultura
Se os extremos são errados, o cristão deve lidar com a cultura de forma equilibrada, sempre mantendo em mente três verdades importantes: 1) tudo o que há no mundo pertence ao Senhor; 2) o pecado é uma realidade que afeta toda cultura humana; 3) só o Evangelho muda a cultura humana que carrega os efeitos do pecado.
A Bíblia diz que este mundo jaz no maligno (1 João 5:19). Também diz que Satanás é o deus deste século que segou o entendimento dos incrédulos (2 Coríntios 4:4). Porém, ele não é o dono do mundo; ele não age de forma autônoma na criação. Deus é o dono de tudo, de modo que nada acontece além da vontade divina.
Satanás não passa de um usurpador que tem atuado temporariamente neste mundo dentro dos limites estabelecidos por Deus. Então em sua rebelião contra Deus, ele tem influenciado a cultura humana desvirtuada pelo pecado.
Mas os verdadeiros cristãos são os agentes transformadores da cultura deste mundo. Eles são chamados para ser sal da terra e luz do mundo (Mateus 5:13,14). Eles possuem a mente de Cristo e pelo poder do Espírito Santo a imagem de Deus neles passa a ser restaurada (cf. 1 Coríntios 2:16; Efésios 4:24; Colossenses 3:10).
Por isso ao mesmo tempo em que os crentes devem apreciar as coisas boas da cultura que apontam para a grandeza de Deus na criação do homem ao conceder-lhe conhecimento e dons incríveis, eles também devem rejeitar qualquer aspecto cultural que esteja em oposição à Palavra de Deus.
Então em tudo isso deve haver entendimento. O cristão não deve rejeitar ou receber toda a cultura, mas deve redimi-la, transformá-la, santificá-la pelo Evangelho para a glória de Deus. Ao mesmo tempo em que aprecia aquilo que a cultura realmente tem de bom, o crente deve fazer oposição clara e vigorosa aos traços culturais que expressam a depravação total do homem, sabendo que de fato o Evangelho muda a cultura humana (cf. 1 Coríntios 6:9-11; Tito 1:5-13).