A Bíblia cita alguns eunucos em sua narrativa, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Alguns com maior destaque, como é o caso do eunuco etíope no livro de Atos, outros apenas como parte dos detalhes da narrativa bíblica. Diante disso, existe muita curiosidade acerca do que é um eunuco e qual o significado da palavra eunuco.
O que significa eunuco?
A palavra “eunuco” na Bíblia geralmente traduz um termo hebraico e outro grego. No Antigo Testamento, eunuco traduz a palavra hebraica saris e basicamente significa “oficial”. Não se sabe exatamente a derivação desse vocábulo hebraico, mas alguns intérpretes consideram que a palavra tenha alguma ligação com um termo assírio que significa “aquele que é cabeça para o rei”. Seja como for, o sentido primário da palavra saris, traduzida como eunuco, é de “oficial da corte“. Entretanto, também há um sentido secundário em que o termo é aplicado, a saber, um “castrado“. Certamente esse último é o significado mais popular de eunuco.
No Novo Testamento, eunuco traduz o termo eunouchos, possivelmente derivado de eunen echo, que significa “conservar o leito“. Da mesma forma como ocorre no hebraico saris, esse termo não necessariamente precisa se referir ao sentido de “castrado”.
O que é eunuco?
Como pudemos ver na explicação acima, existem sentidos diferentes em que a mesma palavra pode ser aplicada. Na Bíblia às vezes é bem difícil determinar em que sentido a palavra eunuco está sendo utilizada, ou seja, se apenas está se referindo a um oficial da corte, a alguém castrado, ou a ambos. Nas passagens em que podemos claramente fazer essa distinção, o eunuco normalmente era um oficial designado para os alojamentos das mulheres em uma corte real. Nesse caso, geralmente tratava-se de homens castrados que eram empregados pelos governantes como oficiais da casa. O historiador grego Heródoto, em um de seus escritos, nos informa que nos países orientais os eunucos eram dignos de confiança em todos os sentidos.
Entretanto, havia também eunucos servindo em outras funções, e ocupando posições de alto escalão, como é o caso de Potifar, onde a palavra saris é aplicada no sentido de “oficial de faraó“. Podemos notar também que, os cativos, frequentemente passavam a ser eunucos. Embora isso não fosse uma regra, possivelmente a maioria dos eunucos que serviam nas cortes de Judá era formada de estrangeiros.
Eunucos na Bíblia
A Bíblia cita vários eunucos em diversos textos. Em algumas passagens nas traduções em português, a palavra “eunuco” está ausente, pois o termo saris ou o grego eunouchos, foi traduzido por outra palavra, como por exemplo, a palavra “oficial“.
Em Gênesis 39:1 o termo saris é aplicado a Potifar, um homem casado e que ocupava um cargo de confiança no governo de Faraó. Obviamente aqui, como já falamos, eunuco está no sentido de “oficial da corte”. Havia também eunucos servindo na corte de Acabe (1Rs 22:9) e na corte do imperador da Pérsia Assuero. No caso de Assuero, os eunucos cuidavam de seu harém (Et 2:3,14), e no livro de Ester vários eunucos são citados pelo fato da história se passar no palácio onde havia muitos eunucos servindo.
A Lei mosaica exigia que os eunucos, no sentido de castrados, fossem excluídos da assembléia do Senhor (Dt 23:1). Na corte de Davi também havia eunucos trabalhando (1Cr 28:1), onde saris é traduzido por “oficiais”. Em Isaías 56:3, fica explicito que o sentido da palavra eunuco está sendo aplicado em referência ao castrado. Em algumas cópias da Septuaginta, a frase “eu era copeiro do rei” no livro de Neemias (1:11), aparece com o termo eunouchos, mas provavelmente a palavra correta seria oinochoos, “copeiro”, e trata-se de um erro de copista. Entretanto, alguns estudiosos defendem a possibilidade de Neemias ter sido sim um eunuco, no sentido de castrado, pois ele servia tanto na presença do rei como da rainha, porém não há base textual suficiente para se ter certeza disso. Uma discussão parecida com essa acerca de Neemias ocorre com relação a Daniel e seus amigos na Babilônia, onde alguns sugerem que eles tenham sido eunucos, devido à declaração de que eram “jovens sem nenhum defeito” (Dn 1:4). Flávio Josefo parece ter entendido assim em sua obra Antiguidades, porém não há nenhuma outra fundamentação que exija esse entendimento.
No Evangelho de Mateus 19:12, Jesus menciona três classes de eunucos:
- Os que já nascem eunucos: esse primeiro grupo refere-se aqueles que são eunucos devido a alguma deficiência congênita.
- Os eunucos feitos por mãos humanas: esses são os que foram fisicamente castrados (2Rs 20:18; Et 2:14).
- E os eunucos espirituais: nesse terceiro grupo a palavra “eunuco” é utilizada no sentido figurado, e refere-se a todo aquele que, voluntariamente, desistiu da aspiração de se casar e constituir uma família, para poder se dedicar exclusivamente aos interesses do reino do céu.
Curiosamente, Orígenes interpretou essa passagem de maneira equivocada, entendendo a expressão “há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus” de forma literal, e se auto-mutilou.
No judaísmo, duas classes de eunucos eram conhecidas: os saris ‘adam (eunucos feitos pelo homem) e os saris hamah (eunucos naturais, ou seja, eunucos desde o nascimento).
Na Bíblia também são citados dois eunucos etíopes. O primeiro, Ebede-Meleque, é citado no Antigo Testamento, e foi quem pediu que o Profeta Jeremias fosse libertado do calabouço (38:7-13). O outro eunuco etíope é mencionado no livro de Atos dos Apóstolos, e sobre ele falaremos a seguir.
O eunuco etíope em Atos dos Apóstolos
O eunuco etíope é um personagem mencionado em Atos dos Apóstolos (8:26-40), a qual se converteu sob o ministério de Filipe, o Evangelista. Ele possuía uma posição de influência na corte da Etiópia, ou seja, era um alto oficial (grego dynastes), tesoureiro real da rainha Candace.
Embora não haja nenhuma referência textual a sua castração, alguns estudiosos acreditam que ele possa ter sido fisicamente um eunuco, o que o colocaria como um “prosélito de portão”, isto é, ele foi a Jerusalém para adorar, mas pode ter sido impedido de participar ativamente dos ritos judaicos por conta da Lei expressa em Deuteronômio 23:1.
O relato bíblico nos informa que, enquanto ele voltava a sua terra, ele lia o livro do Profeta Isaías, no caso, utilizando a Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento) conforme sua citação do capítulo 53. Filipe o encontrou no caminho, pregou o Evangelho a ele e, após sua pronta aceitação, Filipe o batizou em um local próximo ao caminho em que estavam. Após o batismo, Filipe foi tomado pelo Espírito do Senhor e o eunuco não o viu mais, porém continuou o seu caminho com grande alegria.
A tradição etíope defende que esse eunuco foi o primeiro evangelista de sua nação, se tornando o fundador do cristianismo na Etiópia, porém não há muitos indícios que comprovem essa afirmação, já que as primeiras evidência de uma igreja etíope ocorrem após o século 3 d.C.