O significado da palavra presciência na Bíblia tem levado a diversos debates entre os cristãos. A questão discutida é o que ela quer dizer quando aplicada a Deus. A grande pergunta é: Como entender a presciência de Deus?
Basicamente há duas interpretações diferentes sobre o que é a presciência de Deus. Uma delas procura manter o significado estrito da palavra presciência como “pré-conhecimento”. A outra entende que, à luz do texto bíblico, o significado da presciência de Deus é mais profundo, e transmite as ideias de relacionamento e escolha.
A dificuldade em entender este tema fez com muitos passassem a limitar, ou mesmo negar, a presciência de Deus. Normalmente quem assim o faz, entende que Deus declinou de sua presciência para preservar a liberdade de suas criaturas.
Sob essa perspectiva, Ele não conhece o futuro, mas o descobre juntamente com o homem à medida que a História avança. É claro que essa interpretação é completamente antibíblica.
A presciência na Bíblia
A palavra “presciência”, ou seu termo equivalente, aparece apenas no Novo Testamento. Aplicada a Deus, a ideia de presciência ocorre em cinco ocasiões (Atos 2:23; Romanos 8:29; 11:2; 1 Pedro 1:2,20). Em todas elas o objetivo é traduzir os termos gregos prognosko e prognosis.
Dentre as passagens citadas, as mais conhecidas e utilizadas para debater o significado da presciência de Deus são: Romanos 8:29, onde lemos que Deus predestinou os que dantes conheceu; e 1 Pedro 1:2, onde o apóstolo saúda os eleitos segundo a presciência de Deus pai.
Dissemos que duas interpretações principais são sugeridas sobre o significado da presciência de Deus. Conheceremos cada uma delas a seguir.
A presciência de Deus é sua visão acerca do futuro
Esta interpretação afirma que a presciência de Deus significa simplesmente seu pré-conhecimento de todas as coisas. Ele conhece o futuro antes que ele ocorra em nosso tempo.
Porém, esse conhecimento de Deus acerca dos acontecimentos futuros se baseia sem sua contemplação. Isso significa, por exemplo, que ele conhece cada ação que cada uma de suas criaturas tomará. Porém, essa presciência não é causativa, ou seja, o fato de Ele conhecer tais ações não implica numa interferência de sua parte.
Em outras palavras, a presciência de Deus não é o que determina que algo aconteça. Ele age como observador, apenas. Portanto, são os acontecimentos futuros que causam o pré-conhecimento de Deus. Ele apenas os conhece porque de fato eles acontecerão em algum momento.
O principal objetivo desta interpretação, segundo quem a defende, é tentar preservar a liberdade das criaturas em relação à soberania de Deus. Assim, quando Deus predestina e elege, por exemplo, Ele o faz com base em sua presciência. Portanto, Deus conhece antecipadamente as decisões, ações e comportamento de suas criaturas. Então Ele decide e faz com base no que foi previsto. Saiba mais sobre o significado de livre-arbítrio.
A presciência de Deus é mais do que cognição
Esta interpretação também afirma que Deus conhece todas as coisas. Porém, Ele conhece o futuro não apenas porque Ele o observou, mas porque Ele o determinou. Isto significa que a presciência de Deus está diretamente relacionada aos seus decretos.
Ele não age como um espectador da História, mas Ele é Aquele que constrói e conduz a História. A presciência, em si, não é causativa, mas está intimamente ligada ao conselho soberano de Deus. Ele não toma decisões com base no que Ele previu, mas simplesmente sob o fundamento de sua vontade (cf. Romanos 8:28,29; onde os que dantes Deus conheceu foram aqueles que Ele chamou segundo o seu propósito).
Esta interpretação afirma que a chave para entender a presciência de Deus é saber que o foco da questão é o próprio conhecimento divino. Como foi dito, Deus conhece todas as coisas, então a palavra “conhecer” aplicada a Deus não pode significar simplesmente “cognição”.
Quando Ele diz que conhece ou desconhece alguém, isso indica afeição, isto é, um relacionamento especial, ou a falta dele (Êxodo 33:17; Deuteronômio 9:24; Oséias 8:4; Amós 3:2; Mateus 7:23). Com base nisso, o significado de dizer que Deus pré-conheceu alguém não pode ser outro a não ser o de que Ele se relacionou de forma especial com esse alguém.
Esta interpretação também chama a atenção para o fato de que o significado de um determinado termo deve ser analisado à luz de seu contexto. Um exemplo disto é a palavra “carne” que aparece muitas vezes na Bíblia. Num significado simples, ela pode indicar o corpo físico, mas em vários textos ela se refere à velha natureza pecaminosa do homem.
O mesmo princípio pode ser aplicado com relação à palavra “presciência”. Os estudiosos indicam que os termos gregos traduzidos por “presciência”, ainda podem ser traduzidos como “conheceu de antemão”, desde que se entenda que o “conheceu” não é mera cognição. Assim, uma boa tradução seria “de antemão se relacionou”, “de antemão amou” ou “de antemão escolheu”.
Isso parece harmonizar os versículos 2 e 20 de 1 Pedro 1. O apóstolo utiliza o mesmo termo grego para se referir à eleição dos salvos e à escolha de Cristo como redentor. Então, parece obvio que não é uma simples cognição antecipada que está em questão.
Também é preciso considerar que em todas as vezes que a palavra “presciência” é aplica a Deus no Novo Testamento, ela sempre indica o pré-conhecimento de pessoas, e não de fatos, escolhas, ações ou obras. Claro que Ele conhece todas essas coisas, mas o foco do texto bíblico que fala de presciência é sempre em indivíduos.
Esta posição também afirma que não há, nesse caso, uma violação da liberdade e da responsabilidade dos indivíduos. Ela afirma a soberania de Deus e a responsabilidade humana como agentes livres, como duas verdades bíblicas que não se excluem, mas que caminham juntas de uma forma misteriosa para nós.
Conclusão sobre a presciência de Deus
Seja como for, é impossível não se render diante dos mistérios acerca de nosso Deus. É impossível não reconhecer quão inescrutáveis são os seus desígnios. O significado da presciência de Deus não deve ser um motivo de discórdia entre os cristãos, mas de admiração.
Tentar explicar a presciência de Deus é tentar explicar sua onisciência e sua soberania. Todas as interpretações inevitavelmente se quebram diante de sua grandiosidade. Leia também um estudo sobre os atributos de Deus.