Orem para que eu esteja livre dos descrentes da Judéia e que o meu serviço em Jerusalém seja aceitável aos santos,
de forma que, pela vontade de Deus, eu os visite com alegria e juntamente com vocês desfrute de um período de refrigério.
(Romanos 15:31,32)
O versículo acima parece apenas mais um pedido do Apóstolo Paulo a favor da oração. Sabemos que o Apóstolo, por diversas vezes em seu ministério, ressaltou a importância da oração, então, naturalmente, em muitas situações ele rogava aos seus queridos irmãos em Cristo que o ajudassem em interseção por algum propósito. Entretanto, ao analisarmos mais profundamente esse versículo, percebemos que nele encontramos uma lição necessária para nossas vidas.
O contexto imediato dessa passagem (Rm 15-14-33) nos revela Paulo falando aos irmãos de Roma sobre seus planos para o futuro. Ele havia completado uma etapa importante do seu ministério. Por meio de seus esforços missionários ele tinha levado o Evangelho desde Jerusalém até Ilírico, depois das fronteiras da Macedônia e, para os padrões da época, isso significava uma extensão espantosa. Ele havia terminado a primeira parte de sua terceira viagem missionária, e acreditava que havia concluído sua tarefa de plantar o evangelho em grande parte do território do Império Romano. Recentemente ele tinha passado um longo período em Éfeso, a qual resultou, muito provavelmente, na abertura de todas as sete igrejas da Ásia Menor. Conforme o livro de Atos, seu trabalho foi impressionante:
E durou isto por espaço de dois anos; de tal maneira que todos os que habitavam na Ásia ouviram a palavra do Senhor Jesus, assim judeus como gregos.
(Atos 19:10)
Numa alto-reflexão ministerial, Paulo chega a uma conclusão que, até então, fosse algo inimaginável. Na verdade, até mesmo nós, acostumados ao jeito “missionário nato” do Apóstolo, ficamos espantados ao ler sua conclusão. Ele estava sem espaço para trabalhar (Rm 15:23). Ele havia feito tudo o que estava ao seu alcance, e a região toda estava evangelizada.
Entretanto, engana-se quem pensa que ele estava pensando em aposentadoria e descanso. O seu trabalho só terminaria com seu último suspiro de vida (2Tm 4:7). Ali sim, ele terminaria sua carreira. Por enquanto, o incansável Apóstolo desejava partir para a Espanha e levar o Evangelho a uma região onde ainda havia muito trabalho a ser feito. Antes, porém, ele precisava concluir outro trabalho importante: levar as ofertas de auxilio que havia arrecadado entre os gentios em favor dos cristãos pobres em Jerusalém. Concluindo essa tarefa, então ele partiria rumo a Espanha e, no caminho, passaria um tempo em Roma se confraternizando com os irmãos romanos.
A questão é que, antes, como já citamos, Paulo precisaria ir a Jerusalém. Isso era complicado para o Apóstolo, pois ora ou outra os judeus arquitetavam planos para matá-lo. Depois de sua conversão, Paulo não teve vida tranquila em Jerusalém. Ele estava esperando oposição por parte dos judeus, e, como se não bastasse, ainda temia que os cristãos judeus não recebessem de bom grado a oferta de auxilio providenciada pelos crentes gentios.
É por isso que, nesses versículos da Epístola aos Romanos, Paulo roga as orações dos irmãos a seu favor. Ele pede para que os irmãos orem para ele seja poupado dos rebeldes da Judéia, para que sua tarefa em Jerusalém seja bem aceita pelos cristãos judeus e, por fim, para que a visita dele em Roma seja motivo de alegria.
Lendo apenas a Epístola aos Romanos, temos a impressão que tudo deu certo, e que Paulo logo esteve com os irmãos da igreja de Roma. Porém, quando olhamos para o livro de Atos, vemos que o desfecho da história foi completamente diferente.
O que realmente aconteceu está registrado entre os capítulos 21 e 28 de Atos dos Apóstolos. Apesar de ter sido bem recebido pelos irmãos (At 21:17), os Judeus da Ásia descobriram a presença de Paulo ali e tentaram o matar. A violência foi tão grande que só pararam de bater no Apóstolo quando os soldados vieram apartar a confusão que se formou. Ainda assim, num determinado momento, os soldados precisaram pegá-lo para proteger-lhe da violência da multidão (At 21:35). Antes de ser tirado completamente do meio deles, Paulo pediu permissão ao comandante para que falasse aos judeus. Então, o Apóstolo deu testemunho de Cristo, e contou acerca de sua conversão. Isso enfureceu ainda mais aqueles judeus, que gritavam incessantemente que Paulo deveria morrer (At 22:22). Nos versículos seguintes percebemos que a situação não ficou mais amena, ao contrário, mais de quarenta homens estavam envolvidos em uma conspiração para matarem Paulo a qualquer custo (At 22:12,21).
Paulo foi transferido para Cesaréia e ficou mantido sob custódia no Palácio de Herodes. Mesmo apresentando sua defesa, Paulo não foi liberado, ficando preso por dois anos (At 24:27). O governador da região foi substituído por outro e, ainda assim, Paulo não foi posto em liberdade, além de, mesmo depois de tanto tempo, os judeus ainda permaneciam com o plano de matá-lo (At 25:3). Os chefes dos sacerdotes e os judeus mais importantes estavam solicitando que Paulo fosse transferido para Jerusalém para ser julgado, mas Paulo, sabendo que esse julgamento seria totalmente desfavorável a ele, apelou para seu direito como cidadão romano de ser julgado perante César (At 25:10).
Mesmo sem ter provas que o condenassem a prisão, Paulo permaneceu sob custódia até que foi transferido para Roma. Como sabemos a viagem foi longe de ser tranquila. Muitas tempestades e dificuldades fizeram com que o navio acabasse naufragando (At 27:41-44). Paulo, os demais presos e os soldados, conseguiram alcançar a ilha de Malta, onde passaram o inverno. Na ilha, sabemos que Paulo foi mordido por uma víbora, e, o milagre de ter saído ileso, espantou a todos. Finalmente, passando o inverno, Paulo conseguiu chegar a Roma na primavera, entretanto, na condição de prisioneiro. O livro de Atos termina nesse ponto, nos informando que por dois anos Paulo permaneceu em prisão domiciliar em Roma.
Depois de todo esse relato, você ainda se lembra do pedido de oração do Apóstolo na Epístola aos Romanos? Ele só queria que corresse tudo bem, para que logo pudesse estar em Roma se confraternizando com os irmãos, mas as coisas não saíram exatamente como ele planejou.
Será que a oração não deu certo? Será que a oração não foi atendida? Na verdade, Paulo tinha planos para ir a Roma e Deus também tinha planos de levá-lo a Roma. Porém, os planos de Deus eram diferentes dos planos de Paulo. Nos planos de Paulo sua estadia em Jerusalém seria um sucesso, e sua viagem para Roma tranquila. Mas, nos planos de Deus, essa mesma viagem incluiria linchamento, prisão, naufrágio e uma cobra venenosa.
Um versículo no meio dos textos que citamos responde todos os nossos questionamentos sobre o que ocorreu:
Na noite seguinte o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse: “Coragem! Assim como você testemunhou a meu respeito em Jerusalém, deverá testemunhar também em Roma”.
(Atos 23:11)
Mais adiante, no capítulo 27, somos informados que Deus também enviou um anjo para reafirmar esse propósito a Paulo. Paulo iria para Roma, mas não da forma com que planejara. Aqui temos uma valiosa lição. O mesmo Apóstolo que nos ensinou a orar sem cessar, também nos ensinou em tudo dar graças (1Ts 5:17,18). O mesmo Apóstolo que conhecia a eficácia da oração, também sabia que devia se submeter de corpo e alma a sábia e soberana vontade de Deus, mesmo que isso pudesse lhe custar à vida. Note que no versículo 31 de Romanos 15, Paulo roga as orações dos santos para que tudo corra bem, mas logo no versículo seguinte ele coloca a ênfase na expressão “pela vontade de Deus”.
Olhando para estes dois pequenos versículos percebo quantas pessoas precisariam aprender essa preciosa lição em nossos dias. Estamos na época do determinismo, do “delegar ordens a Deus”. A moda do momento é o famoso “declare e tome posse”. O resultado disso é a quantidade crescente de pessoas que, em algum momento da vida, se tornam frustradas, afinal, não conseguiram fazer com que Deus realizasse seus caprichos.
Precisamos olhar novamente para a oração do Mestre, e aprender que o que precisa ser declarado é o “seja feita a Tua vontade” (Mt 6:9-13). Assim, entenderíamos que nenhuma de nossas orações falhou, ao contrário, todas elas foram atendidas de uma maneira muito mais perfeita do que pedimos. Ao invés de pensarmos que nossas orações não estão sendo ouvidas, devemos aprender a enxergar a vontade de Deus naquilo que não saiu conforme planejamos. Por mais fervorosa que sejam nossas orações, a vontade decretiva de Deus permanece soberana.
O Apóstolo Paulo conseguiu entender tudo o que aconteceu. Nós não sabemos quantas pessoas foram alcançadas pela pregação do Evangelho da graça enquanto os planos de Paulo saíam do controle. Tudo o que sabemos é que a vontade de Deus foi realizada. Um tempo depois, na própria Roma escrevendo aos cristãos de Filipos, Paulo concluiu o seguinte:
Quero que saibam, irmãos, que aquilo que me aconteceu tem antes servido para o progresso do evangelho.
(Filipenses 1:12)