Mardoqueu ou Mordecai foi um dos exilados judeus que viveram em Susã, uma das capitais do Império da Pérsia. Mardoqueu é conhecido por ter sido o primo que criou a jovem órfã Ester, que depois veio a se tornar a rainha da Pérsia. Neste estudo bíblico, conheceremos o que a Bíblia relata sobre quem foi Mardoqueu.
Antes de falarmos sobre a história do Mardoqueu primo da rainha Ester, precisamos saber que existem dois personagens bíblicos com esse nome. O outro Mardoqueu foi um líder entre os hebreus exilados que retornou com Zorobabel para Jerusalém (Ed 2:2; 5:8; Nm 7:7).
A História de Mardoqueu
Mardoqueu era um benjamita descendente de Quis, que foi levado cativo para a Babilônia pelo rei Nabucodonosor. Seu nome é derivado de Merodaque ou Marduque, o deus protetor da Babilônia.
O fato de Mardoqueu viver em Susã, e a forma com que ele aparece próximo ao palácio nas narrativas bíblicas, sugerem que ele era um oficial do governo persa. É importante saber que o versículo 6 do capítulo 2 do livro de Ester, onde é feita referência aos judeus transportados de Jerusalém para a Babilônia em 597 a.C. não trata especificamente de Mardoqueu, mas de seus antepassados (2Rs 24:6-17; 25:27-30).
É importante entender isto para que não haja nenhum problema em relação às datas, ou seja, se fosse o próprio Mardoqueu que tivesse sido transportado de Jerusalém para a Babilônia, ele não estaria mais vivo no período narrado no livro de Ester, ou teria pelo menos 150 anos.
Mardoqueu e Ester
Mardoqueu criou e educou sua prima órfã Hadassa, que é Ester (Et 2:7-20). Como dissemos, Mardoqueu desempenhava alguma função relacionada ao palácio de Assuero. Alguns estudiosos sugerem que talvez ele tenha sido um eunuco, já que, com exceção de Ester, não há qualquer referência sobre sua família, isto é, esposa e filhos, e também parece que Mardoqueu tinha acesso aos aposentos das mulheres (Et 2:11).
Seja como for, vale lembrar que o termo “eunuco” também pode ser aplicado para designar um oficial da corte que não necessariamente fosse responsável pelo trato com as mulheres do palácio. Saiba mais sobre o que significa eunuco.
Os relatos do livro de Ester deixam claro que Mardoqueu ensinou Ester nos princípios dos mandamentos de Deus, e mesmo depois de Ester ter se tornado rainha, Mardoqueu ainda exercia alguma influência sobre ela.
Mardoqueu e Assuero
Enquanto Mardoqueu estava à porta do rei, ele descobriu uma conspiração para assassinar o rei Assuero. Rapidamente ele contou à Ester sobre o plano que havia descoberto, e ela informou o rei sobre o que estava acontecendo.
Como resultado disto, os dois homens que seriam responsáveis por matar o rei foram enforcados. Embora nossa tradução traga a expressão “pendurados numa forca“, no original literalmente o que aparece é “pendurado num madeiro“. Tal expressão pode referir-se a execução por empalamento em estacas de madeira. Era comum que após uma execução desse tipo, o corpo ficasse pendurado para exibição pública.
Todo o incidente, incluindo a atitude heroica de Mardoqueu, foi escrito nos arquivos reais. É interessante notar que o texto não destaca nenhuma recompensa imediata à Mardoqueu, ao contrário, o foco passa a ser exatamente a promoção de Hamã, seu grande rival.
Mardoqueu e Hamã
Hamã também era um dos oficiais da corte, e, em certo momento, acabou sendo promovido pelo rei. Após a promoção de Hamã, Mardoqueu não aceitou prestar reverência a ele, o que despertou a ira de Hamã, já que sua vaidade não poderia tolerar tal afronta.
A Bíblia não esclarece o motivo que levou Mardoqueu a não reverenciar Hamã. Alguns sugerem que talvez tenha sido porque tal ato não poderia ser distinguido da adoração. Entretanto, vale lembrar que os judeus não consideravam a prática de se inclinar diante de reis e outras pessoas de alta hierarquia uma violação aos mandamentos de Deus (1Sm 24:8; 2Sm 18:28; cf. Gn 23:7; 33:3; 2Rs 2:15).
Uma possível explicação para o comportamento de Mardoqueu é que talvez Hamã tivesse alguma associação com os amalequitas, já que aparece em sua designação a expressão “o agatita”, o que pode significar algum vínculo com a descendência de Agague, rei dos amalequitas contra quem Saul se opôs (1Sm 14:47,48; 15). Os amalequitas eram inimigos mortais dos israelitas (Êx 17:8-16; Dt 25:17-19).
Em Ester 2:6 onde lemos sobre a origem de Mardoqueu, pode haver algum indício de que sua família tenha pertencido à nobreza judaica (2Rs 24:10-16). Caso realmente haja alguma ligação entre a origem de Mardoqueu e o rei Saul, que como ele também era um benjamita, e Hamã com Agague, o rei dos amalequitas, então a tensão entre ambos pode ser compreendida, ou seja, era uma representação da inimizade benjamita-agatita, israelita-amalequita.
Se este realmente for o cenário, então Mardoqueu de forma alguma reverenciaria Hamã, pois isso poderia implicar num tipo de aprovação dos crimes dos antepassados de Hamã. Da mesma forma, essa possibilidade também explica o ódio de Hamã não apenas contra Mardoqueu, mas contra todos os judeus, a ponto de tramar um genocídio.
O plano de Hamã contra Mardoqueu e o povo judeu
Hamã decidiu não se livrar apenas de Mardoqueu, mas de todo o povo judeu. Ele conseguiu persuadir o rei Assuero para que editasse um decreto autorizando o massacre de todos os judeus que viviam no império persa.
Quando Mardoqueu soube do ocorrido, ele rasgou suas vestes e se vestiu de pano de saco e de cinzas, demonstrando publicamente seu lamento e a intensidade da dor que tal decreto havia ocasionado, e tal atitude se repetiu entre os judeus em todas as províncias onde a notícia sobre o decreto era anunciada.
Então, Mardoqueu fez com a rainha Ester ficasse sabendo do que estava ocorrendo, e insistiu para que ela intercedesse pelo povo judeu perante o rei. Quando Ester ousou titubear perante os riscos que ela correria, Mardoqueu chamou sua atenção para o possível propósito pela qual ela teria se tornado rainha, ou seja, poder livrar o povo judeu (Et 4:14). Saiba mais sobre a história de Ester.
Mardoqueu é exaltado e Hamã é morto
Os capítulos 6 e 7 do livro de Ester nos revela uma surpreendente reviravolta na história e nos planos de Hamã. Numa noite, nitidamente por providencia divina, Assuero não conseguiu dormir e pediu que lhes trouxessem o “Livro dos Feitos Memoráveis“, o mesmo livro onde foi registrado o ato heroico de Mardoqueu.
Ao ler sobre o feito de Mardoqueu, o rei perguntou aos seus servos que tipo de recompensa Mardoqueu havia recebido na ocasião. Então seus servos lhes disseram que nada havia sido feito em favor de Mardoqueu.
Justamente naquele momento Hamã estava no pátio do palácio, com a intenção de pedir ao rei para que Mardoqueu fosse enforcado. O rei então mandou chamar Hamã e lhe perguntou o que deveria ser feito ao homem que ele desejaria honrar. Sem saber a identidade do homem, Hamã presumiu que se trava dele próprio, e aconselhou ao rei para que vestisse o homem com suas vestes reais, lhe colocasse montado sobre o seu cavalo, colocasse sobre ele a coroa real e convocasse os mais nobres príncipes do reino para que, diante de toda a cidade, fosse proclamado que aquele homem estava sendo honrado pelo próprio rei (Et 6:7-9).
Na verdade Hamã contou ao rei sua própria lista de desejos, sem nem ao menos suspeitar que quem receberia toda a honraria seria Mardoqueu. O rei aprovou a sugestão de Hamã, e lhe informou que tal homem era Mardoqueu e que ele seria o responsável a proclamar pela cidade que Mardoqueu era um homem honrado pelo rei.
Depois disto, Mardoqueu voltou para a porta do rei, enquanto Hamã correu para sua casa e contou a sua mulher e amigos o que havia acontecido. É interessante que os sábios e a mulher de Hamã lhe disseram que basicamente os judeus eram invencíveis, e que ele não prevaleceria contra Mardoqueu (Et 6:13).
Caso realmente proceda a possibilidade da inimizade de Mardoqueu e Hamã representar o conflito ancestral entre amalequitas e israelitas, talvez a resposta dada a Hamã estivesse fundamentada nas profecias sobre a queda de Amaleque diante de Israel (cf. Êx 17:16; Nm 24:20; Dt 25:17-19; 1Sm 15; 2Sm 1:8-16).
Paralelamente a todos estes acontecimentos, Ester, com muita sabedoria, havia planejado expor toda a perversidade de Hamã perante Assuero. Durante um jantar, Ester denunciou Hamã ao rei, e este foi condenado à morte, sob pena de ser enforcado na própria forca que ele mesmo havia preparado para Mardoqueu.
Na ocasião, Mardoqueu também recebeu o anel que o rei havia dado a Hamã, ou seja, Mardoqueu foi promovido a ocupar a posição anteriormente ocupada por Hamã. Além disso, o rei autorizou um decreto atestando que os judeus poderiam resistir aos seus inimigos, o que levou a completa destruição de todos aqueles que odiavam o povo hebreu.
Esse foi contexto em que se originou a Festa de Purim. Saiba mais sobre as festa judaicas. Por fim, Mardoqueu foi levantado como a segunda autoridade depois do rei (Et 10:1-3).
A historicidade de Mardoqueu
Certo documento não datado foi encontrado próximo à região onde ficava a Babilônia, e nele é mencionado um homem chamado Mardukâ que era oficial em Susã na corte de Xerxes. Outros documentos também fazem referências a Matakas, um individuo que era o mais influente dos eunucos.
Alguns estudiosos sugerem que Mardoqueu pode ser a pessoa em ambas as referências, porém isso é incerto, já que os melhores registros domésticos sobre o reinado de Xerxes foram perdidos. Seja como for, a Bíblia não precisa de fontes históricas para lhe acrescentar autoridade.