Muitas discussões acontecem com o propósito de saber quem são os 144 mil selados do livro do Apocalipse. Existem várias interpretações, o que acaba se tornando um dos temas preferidos nos debates escatológicos. Neste texto, conheceremos as principais interpretações disponíveis sobre quem são os 144 mil, e qual delas é a mais coerente com o texto bíblico.
Quem são os 144 mil do Apocalipse?
A referência sobre os “144 mil selados” aparece pela primeira vez no capítulo 7 do livro do Apocalipse. Nesse capítulo, João, teve a visão de quatro anjos, nos quatro cantos da terra, retendo quatro ventos. Isso significa que um juízo universal estava para desabar, de modo que ninguém seria capaz de escapar. Esse juízo, porém, foi impedido até que os servos do Senhor fossem selados, e o número desses selados é de 144 mil.
E vi outro anjo subir do lado do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de danificar a terra e o mar,
Dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores, até que hajamos selado nas suas testas os servos do nosso Deus.
E ouvi o número dos selados, e eram cento e quarenta e quatro mil selados, de todas as tribos dos filhos de Israel.
(Apocalipse 7:2-4)
Em seguida, João faz uma relação modificada das doze tribos de Israel, onde, de cada uma, aparecem 12.000 selados. Digo “relação modificada”, porque as tribos de Efraim e Dã foram omitidas, e no lugar foi citado Levi e José.
Interpretação dos Testemunhas de Jeová sobre os 144 mil
Segundo os Testemunhas de Jeová, uma seita herética, os 144 mil é uma espécie de elite da Igreja, formada por homens e mulheres que foram ungidos por Deus para serem “reis e sacerdotes” no reinado vindouro de Cristo, a qual, apenas estes irão morar no céu, enquanto o restante das pessoas que terão parte na Igreja recebendo a vida eterna, viverá nessa terra, sob o governo de Cristo. Para eles, essa contagem começou no dia do Pentecostes.
Interpretação Pré-Milenista Dispensacionalista Clássica sobre os 144 mil
Essa certamente é a posição escatológica predominante entre os cristãos. Apenas para entendermos um pouco melhor, é preciso considerar que essa corrente escatológica defende a visão Pré-Tribulacionista do Arrebatamento, ou seja, a Igreja será arrebatada antes da grande tribulação. Essa conclusão vem de um estilo de organização e interpretação das profecias bíblicas, o Dispensacionalismo, que basicamente divide a forma com que Deus trata com a humanidade em sete dispensações cronologicamente sucessivas.
Para os pré-milenistas dispensacionalistas, Deus tem dois povos distintos, Israel e a Igreja, ou seja, existe completa distinção nos planos de Deus, no tempo e na eternidade, para esses dois povos. Em relação à interpretação do livro do Apocalipse, o Dispensacionalismo adere ao estilo futurista, que, basicamente, defende que a partir do capítulo 4 o livro descreve eventos futuros, que ocorrerão, sobretudo, no período de sete anos da grande tribulação.
Para os pré-milenistas dispensacionalistas, os 144 mil serão israelitas que estarão vivendo no período da grande tribulação, e que se converterão após o Arrebatamento da Igreja. Esses 144 mil serão evangelistas durante esse período, e, juntamente com as duas testemunhas, serão fundamentais para um grande avivamento que converterá muitas pessoas, tanto judeus quanto gentios.
Alguns dispensacionalistas acreditam que esses judeus serão marcados (selados) de forma visível em suas frontes, para que o governo do Anticristo não possa tocá-los. Para outros, eles receberão um selo em suas frontes, mas não será literal. De qualquer modo,praticamente todos os dispensacionalistas concordam que os 144 mil selados serão poupados dos juízos que virão.
Os dispensacionalistas também se dividem sobre o que ocorrerá com os 144 mil selados. Há quem defenda que esses judeus aguardarão como remanescentes a segunda vinda de Cristo em glória na terra, quando Jesus destruirá o Anticristo e implantará o reino milenar, enquanto outros defendem que eles serão arrebatados em algum momento antes da segunda vinda, para se harmonizar com o que é descrito em Apocalipse 14.
Os pré-milenistas dispensacionalistas defendem que, apesar das tribos terem se perdido, Deus as conhece (Is 11:11-16), e preservará um remanescente (At 1:6), e, após o tempo da plenitude dos gentios, Deus voltará Suas atenções ao povo de Israel (Lc 21:24; At 15:14; Rm 11:25). Eles também argumentam que as ausências das tribos de Dã e Efraim nessa lista é devido aos casos de idolatria e corrupção mencionados no Antigo Testamento. Sobre a tribo de Dã, segundo alguns deles, possivelmente será a tribo de origem do Anticristo.
Interpretação Pré-Milenista Histórica e Amilenista sobre os 144 mil
Para os Pré-Milenistas Históricos e os Amilenistas (muitos Pós-Milenistas também compartilham da mesma interpretação), esse número 144 mil é simbólico, e não deve ser interpretado de forma literal ou como uma estatística.
É importante saber que para os Pré-Milenistas Históricos, Amilenistas e Pós-Milenistas, Deus tem apenas um povo, a Igreja, formada por judeus e gentios, ou seja, a Igreja é o Israel de Deus (Gl 6:16; Rm 9:6-8). Nessa linha de interpretação, também existe algumas diferenças entre seus defensores.
Alguns consideram que os 144 mil realmente são apenas judeus cristãos, mas não se trata de um número literal, ou seja, os 144 mil representam todos os judeus convertidos, mostrando que eles também fazem parte da Igreja, como um só povo. Essa conclusão é derivada do fato de que no próprio capítulo 7 parece existir uma distinção de multidões, isto é, uma com 144 mil e outra com número incontável.
Essa distinção não significa uma separação de povos como no Dispensacionalismo, mas apenas uma ênfase para mostrar que Deus tem Seus escolhidos tanto em Israel, quanto em todo o mundo, isto é, Deus tem salvos em todas as nações do mundo, mas também tem salvos em Israel, sendo que esses salvos judeus são salvos em Jesus Cristo, e pertencem à Igreja (Rm 9:27).
Outros estudiosos defendem que os 144 mil representam toda a Igreja, do Antigo e do Novo Testamento, formada por judeus e gentios. Esse número é obtido da multiplicação de doze vezes doze. A simbologia dos números em Apocalipse é muito importante, e o número doze sempre aparece associado ao povo de Deus. Logo, doze patriarcas representam a Igreja do Antigo Testamento, e doze apóstolos a Igreja do Novo Testamento, ou seja, a Igreja do Antigo Testamento e a Igreja do Novo Testamento formam uma única Igreja.
Isso parece evidente na descrição simbólica da Nova Jerusalém que tem doze portas com o nome das doze tribos e doze fundamentos com o nome dos doze Apóstolos, e seu muro tem a altura de cento e quarenta e quatro côvados (Ap 21:9-17).
O resultado da multiplicação de doze vezes doze, cento e quarenta e quatro, é multiplicado por um mil, resultando no número 144 mil, que significa a totalidade da Igreja. Para explicar a descrição de duas multidões na visão do capítulo 7, os intérpretes defendem que do ponto de vista do céu, os eleitos de Deus tem um número exato, isto é, Deus conhece cada um dos que são Seus (2Tm 2:19), e o simbolismo do número 144 mil é utilizado para este fim.
Já a outra multidão, são os mesmos 144 mil, porém do ponto de vista da terra, isto é, Deus conhece o número exato, mas sob os olhos dos homens, a Igreja é uma multidão incontável. Essa multidão é formada por pessoas de todos os povos, tribos, línguas e nações, incluindo os judeus convertidos (Ap 7:9).
Qual a Interpretação Correta sobre os 144 mil?
A resposta dessa pergunta vai depender da linha escatológica que cada um adota, por isso sempre veremos uns defendendo uma coisa e outros outra coisa.
Particularmente, penso que a interpretação mais coerente com as Escrituras é a última interpretação. Os 144 mil representam a totalidade da Igreja de Cristo, o Israel espiritual que, aos olhos de Deus, tem um número exato, mas aos olhos humanos é uma multidão incontável, são como a areia do mar.
Para mim, esse número não pode ser literal, porque isso ignoraria o padrão literário do Apocalipse. Também não pode ser aplicado às tribos de Israel, pois isso implicaria na distinção entre Igreja e Israel, e considero essa uma maneira extremamente confusa e, a meu ver, bastante equivocada, de interpretar a Bíblia.
Deus não tem dois povos. Deus tem apenas um único povo, formado por judeus e gentios, a Igreja, o verdadeiro Israel de Deus (Gl 6:16; Rm 9:6-8). Todos que são de Cristo são descendentes de Abraão (Gl 3:29), ou seja, Abraão é o pai de todos os que creem em Jesus, judeus ou não (Rm 4:11), já que segundo o apóstolo Paulo, os verdadeiros judeus não são os descendentes físicos de Abraão, mas os descendentes espirituais (Rm 2:28,29). Logo, aquele que serve a Deus em espírito, e se gloria em Jesus Cristo, não confiando na carne, é a verdadeira circuncisão (Fp 3:3).
Também é importante considerar que desde o cativeiro Assírio, dez, das doze tribos, se perderam, e as duas últimas tribos do sul também se dispersaram após a queda de Jerusalém em 70 d.C. Outro fator que complica a aplicação desse número às doze tribos é a ausência das tribos de Dã e de Efraim, sem nenhuma explicação bíblica convincente para isso, ou seja, entender que o Anticristo virá de uma dessas tribos, e por isso foram omitidas, é muito mais uma alegoria do que uma hermenêutica sólida.
Fato é que, essa ordem trocada das tribos, não pode ser encontrada em nenhum outro lugar da Bíblia. Para finalizar, o capítulo 14 do Apocalipse mostra claramente que os 144 mil foram comprados de toda a terra, e não apenas dentre os judeus.