Muitas pessoas ficam realmente confusas com a informação de que Jesus nasceu antes de Cristo. De fato, sem maiores explicações, essa afirmação é mesmo confusa, afinal, num primeiro momento ela parece significar que Jesus e Cristo são duas pessoas diferentes, resultando na ideia de que Jesus não é o Cristo.
Outras pessoas também pensam que essa afirmação de que Jesus nasceu antes de Cristo tem a ver com alguma variação de antigas heresias a respeito da pessoa de Jesus Cristo. Por exemplo: na heresia conhecida como Monarquianismo Dinâmico ou Adocionismo, era defendido que Jesus nasceu como uma pessoa comum. Inclusive, muitos adocionistas negavam a doutrina do nascimento virginal de Jesus. Para essas pessoas, Jesus só se tornou divino posteriormente, e isso teria acontecido na ocasião do seu batismo quando supostamente Ele foi divinamente adotado, tornando-se, então, o Filho de Deus.
De forma semelhante, muitas pessoas também pensam que a ideia de que Jesus nasceu antes de Cristo seria uma reafirmação de certos ensinamentos de alguns grupos gnósticos do primeiro século que realmente separavam Jesus do Cristo, ou seja, que enxergavam Jesus e Cristo como seres distintos. Para esses grupos, Cristo seria um espírito celeste que se apoderou de Jesus e o guiou durante o seu ministério terreno, mas que o abandonou pouco antes da crucificação.
Porém, atualmente quando se fala que Jesus nasceu antes de Cristo, isso não significa uma reprodução de algum conceito baseado nessas heresias que atacam a pessoa do Filho de Deus. Na verdade, a afirmação de que Jesus nasceu antes de Cristo, por mais que possa parecer estranha e confusa à primeira vista, é muito mais simples do que parece, e apenas tem a ver com um erro de calendário.
O nascimento de Jesus e a dificuldade dos calendários
Para entender por que é correto afirmar que Jesus nasceu antes de Cristo, primeiro é preciso considerar alguns detalhes a respeito do sistema de calendários. Nos tempos bíblicos, não havia um calendário padronizado, e diferentes povos usavam diferentes calendários. Além disso, mesmo o calendário adotado por um determinado povo, com o tempo podia ser alterado por algum motivo.
Os romanos, por exemplo, tinham o seu calendário romano tradicional com base na fundação da cidade de Roma. Por isso, quando se fala em calendário romano, é preciso mencionar a sigla A.U.C., que é a abreviação de uma expressão latina que significa “no ano da fundação da cidade”. Mas esse calendário foi reformulado várias vezes, quando passou de um calendário lunar para um calendário lunissolar, e depois para um calendário solar, algo mais parecido com o calendário egípcio.
Quando Jesus nasceu, por exemplo, o Império Romano usava o Calendário Juliano que foi proveniente de uma reforma do calendário tradicional romano feita no tempo de Júlio Cesar, em 46 a.C. Esse calendário, inclusive, foi amplamente usado até a Idade Média, quando foi reformado para o Calendário Gregoriano promulgado em 1582 pelo Papa Gregório XIII. Com o tempo, o Calendário Gregoriano passou a ser adotado por vários países até se tornar o principal calendário do mundo ocidental.
O ano do nascimento de Jesus
Mas antes disso, entre os séculos 5 e 6 d.C., um monge chamado Dionísio, o Exíguo, que era matemático e astrônomo, se empenhou na tarefa de calcular corretamente a data da Páscoa. Naquele tempo, alguns grupos cristãos usavam um sistema de datação romano conhecido como Anno Diocletiani, ou Era Diocleciana, que tinha como base para contagem dos anos o início do governo do imperador Diocleciano.
Porém, Diocleciano foi um tirano, e durante o seu reinado os cristãos experimentaram uma perseguição implacável por parte do Império. Inclusive, algumas pessoas passaram a chamar a Era Diocleciana de “Era dos Mártires”. Por causa disso, Dionísio se recusou a utilizar um método de contagem de datas que fazia referência a um terrível perseguidor dos cristãos.
Então, com base no método de contagem do calendário romano que recuava a numeração dos anos até a fundação de Roma, Dionísio fez uso do texto bíblico para determinar que Jesus Cristo nasceu no ano 753 desde a fundação da cidade de Roma (A.U.C). Dessa forma, Dionísio passou a datar os eventos tomando por base o ano do nascimento de Jesus, dando início ao conceito de Anno Domini, uma expressão latina que significa “Ano do Senhor”, ao invés do Anno Diocletiani. Então, tudo o que antecedeu o Anno Domini obviamente ocorreu antes de Cristo (a.C.), e tudo o que sucedeu o Anno Domini ocorreu depois de Cristo (d.C.).
Jesus nasceu antes de Cristo: um erro de calendário
Quando a contagem de datas com base no ano do nascimento de Jesus Cristo proposta por Dionísio já havia se popularizado, percebeu-se que o monge havia cometido um erro em seus cálculos. Para chegar à conclusão de que Jesus nasceu em 753 a partir da fundação de Roma, Dionísio usou o texto de Lucas 3:1 que localiza o início do ministério de Jesus no décimo quinto ano do reinado de Tibério César.
Em seus cálculos, Dionísio considerou que Tibério sucedeu a Augusto em 767 A.U.C. Sabendo que Jesus começou o seu ministério quando tinha cerca de 30 anos, Dionísio concluiu que isso teria acontecido entre 782 e 783 A.U.C., e, portanto, ele devia ter nascido entre 752 e 753 A.U.C.
O problema é que essa data não se harmoniza com outro texto bíblico que diz que Jesus Cristo nasceu quando o rei Herodes ainda estava vivo. Inclusive, Herodes mandou matar todos os meninos menores de dois anos (Mateus 2:1). Isso significa que Jesus pode ter nascido até dois anos antes a morte de Herodes. A questão é que Herodes morreu em cerca de 749 ou 750 A.U.C., o que equivale a 4 ou 3 a.C. Então, considerando que Jesus podia ser um menino de até 2 anos de idade quando Herodes morreu, necessariamente ele deve ter nascido entre 6 e 3 três anos antes do ano que Dionísio fixou como o Anno Domini. Provavelmente, o erro cometido por Dionísio foi não ter considerado o fato de Tibério ter começado o seu governo em corregência com Augusto durante pelo menos quatro anos.
Portanto, quando se fala que Jesus nasceu antes de Cristo, não se quer dizer que Jesus não é o Cristo. O objetivo dessa frase é apenas localizar cronologicamente de forma correta o ano do nascimento de Jesus, contornando essa diferença de alguns anos no cálculo de Dionísio. Atualmente, a maioria dos estudiosos acredita que Jesus nasceu entre 6 e 4 a.C.