A Grande Babilônia do Apocalipse
Apocalipse 17 para muitos é o capítulo mais difícil de interpretar no livro do Apocalipse. É nesse capítulo que temos a descrição da grande meretriz, também chamada de “a grande Babilônia“. Apesar de no próprio capítulo 17 haver uma interpretação sobre a visão do Apóstolo João, ainda assim é bem difícil entendê-la.
Isto ocorre porque Apocalipse 17 se assemelha muito com o estilo literário do livro do Profeta Daniel. A mistura da narrativa entre reis do passado, presente e futuro na profecia, nos remete diretamente ao modelo do livro do Antigo Testamento.
Neste estudo bíblico, estudaremos os capítulos 17 e 18 do livro do Apocalipse, focando principalmente a figura da mulher descrita como a grande meretriz, Babilônia. Sei que este texto é um pouco longo, mas se puder, se esforce para lê-lo na integra, pois este é um tema de muita importância para a Igreja de Cristo.
Babilônia: A mãe das meretrizes
Apocalipse 17 descreve detalhadamente a figura dessa meretriz. Vale ressaltar que a grande Babilônia é citada anteriormente no livro do Apocalipse (caps. 14:8; 16:19). Entretanto, em tais citações ela é mencionada muito brevemente, enfatizando apenas a predição de sua queda.
Logo, no capítulo 17 é onde encontramos as maiores informações sobre ela. Já no capítulo 18 encontramos a narrativa detalhada de sua queda anunciada no capítulo 17.
Quem é a grande meretriz do Apocalipse?
Sabemos que existem diferentes correntes escatológicas, e dentro delas há várias interpretações acerca de quem é a grande meretriz do livro do Apocalipse. Citá-las aqui, certamente tornaria este texto extremamente cansativo e confuso.
Entretanto, antes de partir para a exposição do texto bíblico, penso ser importante citar uma interpretação muito popular sobre este tema. Alguns defendem que essa meretriz (a grande Babilônia) representa exclusivamente um império futuro que se levantará no fim dos tempos. Será a confederação da Besta, ou seja, o sistema político e religioso do Anticristo que dominará o mundo. Logo, o uso do nome “Babilônia” é apenas simbólico para se referir a esse governo futuro.
Ainda dentro dessa interpretação, há quem defenda que a cidade de Babilônia será literalmente reconstruída. Quem pensa dessa maneira entende que algumas profecias do Antigo Testamento apontam para a reconstrução futura e literal dessa cidade.
Geralmente os adeptos da interpretação acima, adotam um estilo de leitura futurista como método de interpretação do livro do Apocalipse, mais comum na linha pré-tribulacionista. Entretanto, há muitos pré-tribulacionistas que adotam uma visão completamente diferente desta.
O próprio capítulo 17 nos responde quem é essa meretriz. A resposta está no versículo 18, onde nos é dito que a mulher “é a grande cidade que reina sobre os reis da terra“, ou seja, a Babilônia.
Agora, nossa pergunta passa a ser especificamente a seguinte: O que é a grande Babilônia do livro do Apocalipse?
Para respondermos tal pergunta, precisamos entender a organização do livro e o estilo literário empregado pelo Apóstolo João em sua composição. Apocalipse 17 inicia uma nova divisão paralela do livro do Apocalipse, ou seja, o Apóstolo João irá registrar pela sexta vez a mesma história, porém por um ângulo diferente.
Para saber mais sobre isso leia os textos: “Como Estudar o livro do Apocalipse” e “Leitura de Recapitulação ou de Sucessão em Apocalipse“.
Entre os capítulos 12 e 14, João já havia registrado os inimigos de Cristo e Sua Igreja: o dragão e seus aliados. Satanás, descrito na figura de um dragão, sofreu uma derrota esmagadora na morte, ressurreição e ascensão de Cristo ao céu.
Expulso do céu e lançado a terra, o dragão recruta três aliados: a besta que sobe do mar, a besta que sobe da terra e a grande Babilônia. Juntamente com os homens que possuem a marca da besta, o dragão e seus aliados desempenham uma perseguição implacável contra a Igreja de Cristo.
Entretanto, por mais terrível que esse cenário pareça ser, o livro do Apocalipse mostra que a Igreja é mais que vencedora, pois Cristo vence, e nós vencemos com Ele. É justamente a partir do capítulo 17 que João descreve a queda desses inimigos da Igreja, os aliados do dragão.
Comparando com a ordem com que foram apresentados nos capítulos 12, 13 e 14, agora o livro do Apocalipse nos mostra a queda desses inimigos exatamente de forma inversa, ou decrescente.
Em Apocalipse 17 encontramos a história da grande Babilônia, e no capítulo 18 encontramos a descrição de sua queda completa. Essa sexta sessão paralela continua no capítulo 19, onde vemos Cristo derrotando definitivamente todos os Seus inimigos em sua Segunda Vinda.
O capítulo 17 do livro do Apocalipse pode ser subdividido em três partes: na primeira há uma descrição da grande meretriz, a Babilônia. Na segunda parte encontramos a descrição da besta. E, por fim, a terceira parte já nos mostra vitória de Cristo e de Sua Igreja, juntamente com a interpretação das figuras citadas durante o capítulo.
O livro do Apocalipse é um livro de contrastes. Nele, vemos Satanás, o dragão, tentar de todas as formas imitar a Cristo. Em Apocalipse 17, na descrição da grande Babilônia, podemos ver mais uma vez essa característica. No livro do Apocalipse a Igreja é descrita como uma mulher, uma virgem, santa, digna e adornada para seu esposo. Perceba o nítido contraste entre a noiva do Cordeiro (Ap 12; 21:9) e a meretriz descrita neste capítulo.
A noiva do Cordeiro também é uma cidade, a cidade santa, a Nova Jerusalém. A prostituta igualmente é descrita como uma cidade, a mãe de toda prostituição, a grande Babilônia. Uma é a cidade de Deus, a outra a cidade do mundo.
Enquanto a noiva é a Igreja verdadeira, a meretriz é a falsa Igreja que se revela na busca humana pelo prazer e a autorrealização. Respondendo a pergunta sobre quem é essa meretriz, quem é a grande Babilônia, podemos dizer que ela é mais do que uma simples cidade.
Na verdade, ela possui muitos significados que podem ser sintetizados em uma única, profunda e terrível verdade: a grande Babilônia é a revelação de toda concupiscência humana, da busca do homem pelo prazer, é a sedução do mundo. Babilônia é tudo o que demonstra o mais terrível estado depravado e corrupto da humanidade, a apostasia escancarada, a inimizade contra Deus.
A grande Babilônia é a descrição perfeita e detalhada do mundo à parte de Cristo, que concentra toda sua força na busca por riqueza, luxuria e autorrealização. A grande Babilônia possui duas funções muito claras: tentar desviar a Igreja da santidade e manter os ímpios na incredulidade.
A meretriz é um poderoso sistema mundano a serviço de Satanás. A Babilônia seduz a humanidade a prestar culto ao sistema satânico, a se submeter ao dragão e adorar a besta.
A descrição da meretriz, a grande Babilônia em Apocalipse 17
O Apóstolo João descreve essa mulher da seguinte forma:
1. Ela é uma prostituta (vers. 1, 5): Como já dissemos, isso mostra todo o contraste entre ela e a noiva do Cordeiro.
2. Ela está assentada sobre muitas águas (vers. 1): Isso significa que ela possui influência mundial. Ela está assentada sobre toda a humanidade. O próprio versículo 15 do mesmo capítulo nos esclarece isso ao dizer que as águas onde se assenta a prostituta “são os povos, e multidões, e nações, e línguas“. A grande Babilônia é um sistema de proporções mundiais que demonstra uma cultura contra Deus.
3. Os reis da terra fornicaram com ela, bem como os habitantes da terra que se embriagaram com o vinho de sua fornicação (vers. 2): Os reis da terra são os governantes deste mundo, que, juntamente com os habitantes da terra, buscam de forma desenfreada esse prazer que é sinônimo de prostituição. Eles se embriagam no vinho de devassidão da meretriz. O termo grego traduzido por “devassidão” é porneia. Este termo pode ser aplicado de maneira bem ampla, e significa literalmente “prostituição”.
4. A grande meretriz aparece sentada sobre a besta que tinha sete cabeças e dez chifres (vers. 3): Esse animal que aparece no versículo 3 é a primeira besta mencionada no capítulo 13, a besta que subiu do mar. Essa besta representa os governos mundiais de maneira geral, ou seja, todo o poder econômico, político e militar. Isso nos mostra a sincronia que há entre a besta e a prostituta, de forma com que a busca pelo prazer é a motivação para todas as outras ações malignas neste mundo. Juntas, a besta e a prostituta, são instrumentos nas mãos de Satanás.
5. Ela estava vestida de púrpura e escarlata, adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas (vers. 4): O tipo de roupa descrito por João se refere a trajes finíssimos, caros, usualmente utilizados por senadores e a elite da Roma da época. As pedras preciosas demonstram toda riqueza e luxo ostentado por essa mulher. É uma descrição completa do mundo ímpio, que vive em função de suas conquistas, riquezas, poder e glória.
6. Ela segurava um cálice de ouro, repleto de coisas repugnantes e da impureza da sua prostituição (vers. 4): O cálice de ouro compõe perfeitamente a descrição dessa mulher. Ela está vestida glamourosamente, ostentando riquezas e luxo, e possui um cálice de ouro em sua mão. O cálice de ouro transmite a ideia de algo desejado, cobiçado pelo homem.
Os cálices de ouro eram utilizados geralmente para servir o melhor vinho. Mas no caso dessa mulher é diferente. O cálice é de ouro, mas seu interior contém apenas abominações e devassidão. Esse cálice está transbordando com a impureza de sua prostituição. Aqui podemos perceber que todo esse modo de vida prazeroso que o mundo oferece aos homens, é na verdade mundano e depravado, é um modo de vida que afronta a Deus.
7. Tinha em sua testa a seguinte inscrição: “Mistério, a grande Babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra” (vers. 5): No versículo 5 João registra o nome dessa mulher. Ele escreve que esse nome estava em sua testa. Essa descrição combina com um costume da época em que as prostitutas do Império Romano usavam um tipo de pequena faixa ao redor da cabeça que continha seu nome, num tipo de exibição de sua própria desonra.
O nome dessa meretriz é Babilônia. Essa Babilônia não é literalmente a cidade histórica, nem qualquer outra cidade especifica do mundo, muito menos uma futura cidade que será reconstruída. Esse nome é uma referência direta a tudo o que a Babilônia simboliza, desde sua fundação, ainda com Ninrode na edificação primitiva dessa cidade, até seu posto de maior império do mundo nos dias de Nabucodonosor. Babilônia, ainda como Babel, foi edificada puramente nas bases do pecado.
A própria Torre de Babel era um símbolo direto da loucura do homem contra Deus. O propósito da torre era eternizar o nome dos habitantes de Babel, e, caso ocorresse novamente um dilúvio, eles poderiam subir pela torre até o céu, e se vingar do próprio Deus.
Depois de Babel, Babilônia ressurge poderosa novamente na narrativa bíblica com Nabucodonosor exilando o povo judeu. Logo, Babilônia representa na Bíblia tudo aquilo que é mais perverso. Ela é o berço do paganismo, da falsa religião, da prostituição, da busca pelo prazer e da perseguição ao povo de Deus.
Nos dias de João, essa mulher, a Babilônia, claramente podia ser vista na cidade de Roma, uma cidade que era conhecida naquele tempo como a cidade dos prazeres. Roma era a fonte de todo tipo de idolatria, de modo que os cristãos verdadeiros eram chamados de ateus por não adorarem os muitos deuses do paganismo romano.
Eles também eram acusados de serem antissociais, pois não participavam da vida social ofertada por aquele sistema (1Pe 2:12; 4:3,4). As influências mundanas dessa cidade corrompida estavam entrando até mesmo dentro das comunidades cristãs, onde alguns membros cediam às pressões e acabavam aceitando a idolatria e a imoralidade (Ap 2:12,20; 1Co 6:12-20).
Aquela Roma não existe mais, porém hoje, onde quer que esteja a busca humana pelo prazer, seja por vícios, pela prostituição, luxuria e ganância ali estará a Babilônia.
8. Ela estava embriagada do sangue dos santos, e das testemunhas de Jesus (vers. 6): Que detalhe terrível é revelado no versículo 6. O próprio Apóstolo João ficou espantado com essa visão. Imagine você a cena que João estava vendo: uma mulher vestida sensualmente, com vestes finas e adornada por pedras preciosas, com uma identificação de prostituta em sua testa, montada em uma besta, segurando um cálice de ouro transbordando abominações e, por último, embriagada do sangue dos santos e das testemunhas de Jesus.
Ao mesmo tempo em que Babilônia oferece prazer aos homens, ela também derrama o sangue dos seguidores de Cristo. Isso significa que a busca pelo prazer humano sempre resulta em perseguição à Igreja, pois a Igreja verdadeira sempre irá se opor ao estilo de vida mundano e corrompido.
Nessa descrição de João podemos identificar mais uma vez uma referência direta a cidade de Roma daqueles dias, onde os cristãos eram perseguidos e cruelmente mortos, servindo até como diversão para os poderosos do império. Como já dissemos, Roma era a cidade do prazer que se embriagava com o sangue dos mártires.
Resumindo, a grande Babilônia representa todo o sistema mundano que se opõe a Igreja de Cristo, é a falsa igreja que conduz ao prazer, é o mundo como o centro de sedução maligno, é a meretriz que sempre será o oposto da noiva.
Essa Babilônia nos dias de João estava personificada na figura da capital do império, Roma. Essa Roma dos dias de João não existe mais, mas Babilônia está presente em qualquer momento da história. Onde houver a busca pelo prazer a qualquer custo, onde houver a perseguição aos servos de Deus, onde houver o sangue dos mártires sendo derramado, ali estará a meretriz com sua sedução, ali estará a Babilônia com seu cálice de devassidão.
O texto continua com o anjo dando detalhes a João sobre a besta em que a mulher está montada. Não iremos abordar aqui detalhes sobre a descrição da besta, pois já falamos sobre no texto “A besta que subiu do mar e a besta que subiu da terra no Apocalipse“. Portanto, recomendamos a leitura desse texto para melhor compreensão sobre o assunto.
No versículo 14, vemos como esse sistema maligno juntará forças para guerrear contra o Cordeiro, mas serão definitivamente derrotados, pois o Cordeiro os vencerá, e vencerão com Ele os seus eleitos. Aqui o anjo informa a João que a vitória de Cristo e de Sua Igreja já está decretada.
A queda da Babilônia
No versículo 16 do capítulo 17, o anjo diz a João algo muito curioso, algo intrigante. Ele começa a informar a queda da Babilônia, a destruição da meretriz. O que é curioso é o modo como isso acontece.
O anjo diz que a besta, juntamente com seus governantes, odiarão a prostituta. Eles a despiram, comerão a sua carne e a destruirão com fogo. Aqui vemos que os inimigos de Cristo e da Igreja destroem uns aos outros para cumprir os propósitos soberanos de Deus (Ap 17:17).
Alguns teólogos apresentam uma aplicação primaria para essa passagem no contexto histórico daquela época, onde os poderes predatórios e ações do Império Romano acabaram destruindo, em última instância, a própria cidade de Roma.
Mas aqui também claramente vemos uma profundidade maior nessa visão. A descrição dessa cena nos mostra que a busca pelo prazer, a sedução do mundo é autodestrutiva. No final, o homem fica desiludido com os seus próprios prazeres, pois os prazeres do mundo são passageiros.
Os homens se frustram quando percebem que tudo o que buscaram durante toda a vida os levaram à destruição. Nessa hora não adianta arrependimento, não adianta lamentação. É tarde de mais, o juízo de Deus chegou até eles.
No capítulo 18 do livro do Apocalipse temos uma descrição detalhada da queda da Babilônia. Ao todo são sete mensagens de julgamento contra a Babilônia. Primeiro há três mensagens angélicas de condenação (Ap 17:7-18; 18:1-3,4-8). Depois há três lamentos por parte dos homens que a admiravam e estavam comprometidos com essa meretriz (Ap 18:9,10,11-19). Por fim, há um aviso final e definitivo sobre a queda final e permanente da grande Babilônia (Ap 18:21-24).
Essa descrição está particularmente ligada aos momentos finais da presente era e a tão gloriosa segunda vinda de Cristo. É nesse momento que essa mulher é destruída.
Enquanto Babilônia cai, a Nova Jerusalém se levanta em grande esplendor. Enquanto a prostituta é despida e desonrada, a noiva do Cordeiro aparece ataviada, adornada e vestida de linho fino resplandecente e puro. Enquanto a falsa Igreja está condenada, a verdadeira Igreja está justificada.
Para finalizar, quero destacar o versículo 4 do capítulo 18:
Então ouvi outra voz do céu que dizia: “Saiam dela, vocês, povo meu, para que vocês não participem dos seus pecados, para que as pragas que vão cair sobre ela não os atinjam!
(Apocalipse 18:4)
Este versículo é um convite à santidade. É um aviso para que não caiamos nas armadilhas da sedução do mundo. É um alerta de que a Babilônia está empenhada em tentar destruir a pureza dos santos.
Nestas breves palavras somos aconselhados a não nos conformarmos com este mundo, tal como o Apóstolo Paulo nos escreveu em sua Carta aos Romanos (cap. 12:2). Aqui cabe uma reflexão pessoal para cada um de nós.
Será que estamos comprando terrenos em Babilônia? Será que estamos construindo casas em Babilônia? Será que estamos tentando nos estabelecer sob os recursos de Babilônia? Será que estamos nos portando como a noiva do Cordeiro, ou estamos seduzidos pela prostituta?
Pergunte-se a si mesmo: Sou cidadão da grande Babilônia ou sou cidadão da Nova Jerusalém?