As cartas perdidas de Paulo são três epístolas mencionadas pelo apóstolo em seus outros escritos no Novo Testamento, mas que se perderam ainda nos primeiros anos da história da Igreja. Duas dessas cartas perdidas de Paulo foram direcionadas aos crentes da cidade de Corinto e outra aos crentes de Laodiceia.
A importância da produção teológica literária de Paulo é imensurável. As Cartas Paulinas constituem uma parte significativa do Novo Testamento e são essenciais para a compreensão da teologia cristã. Dentre os vinte e sete livros que integram o Novo Testamento, treze deles têm sua autoria tradicionalmente atribuídas a Paulo. Portanto, considerando as cartas perdidas de Paulo, o apóstolo escreveu pelo menos dezesseis cartas às igrejas cristãs do primeiro século.
Inicialmente as cartas de Paulo foram escritas com o objetivo de abordar desafios específicos enfrentados pelas comunidades cristãs emergentes daquela época. Essas epístolas abordam questões de doutrina, moralidade e unidade, mas também tratam de temas atemporais da teologia cristã, como a justificação pela fé, a graça de Deus e a importância da ressurreição de Cristo.
Assim, as cartas de Paulo tiveram um impacto profundo na Igreja Primitiva, orientando os crentes em meio às perseguições e às controvérsias teológicas da época. Essas cartas foram amplamente circuladas e reconhecidas pelas primeiras comunidades cristãs como escrituras inspiradas. Sua inclusão no Cânon do Novo Testamento reflete o reconhecimento de sua autoridade apostólica e a relevância duradoura de seus ensinamentos para a fé cristã.
Diante disso, é interessante saber que Paulo escreveu outras cartas que não foram preservadas ou incluídas no Novo Testamento; e sabemos disso porque o próprio apóstolo menciona essas cartas, hoje perdidas.
A primeira carta perdida de Paulo aos coríntios
O apóstolo Paulo visitou Corinto pela primeira vez durante sua segunda viagem missionária, conforme registrado em Atos 18. Inicialmente, Paulo planejava uma breve estadia na cidade, mas uma visão divina o encorajou a permanecer em Corinto por mais tempo, totalizando cerca de um ano e meio (Atos 18:9-10).
Em Corinto, o apóstolo pregou na sinagoga, mas enfrentou forte oposição dos líderes judeus. Contudo, muitos foram convertidos ao Evangelho, principalmente gentios. Durante sua estadia na cidade, Paulo manteve uma relação próxima com a igreja local, fundamentando os crentes na fé e abordando questões práticas de convivência cristã.
Após sua partida de Corinto, Paulo manteve uma comunicação ativa com a igreja, preocupado com os desafios que enfrentavam em uma cidade repleta de influências contrárias ao Evangelho. Nesse sentido, a igreja em Corinto teve de lidar com uma série de problemas internos, incluindo divisões, condutas imorais, disputas legais entre irmãos e desordem nos cultos.
Então, durante sua terceira viagem missionária enquanto estava em Éfeso, Paulo escreveu à igreja de Corinto para orientar e corrigir os crentes em diversos assuntos. Evidências sugerem que Paulo escreveu pelo menos quatro cartas à igreja de Corinto.
Na Primeira Carta aos Coríntios da Bíblia, no capítulo 5 e versículo 9, Paulo menciona uma carta anterior na qual instruía os coríntios a não se associarem com pessoas imorais. Essa carta não foi preservada e é considerada uma das cartas perdidas. Apesar disso, alguns poucos estudiosos acreditam que o texto dessa carta perdida foi incluído por um editor posterior na Primeira Carta aos Coríntios da Bíblia.
A terceira carta perdida de Paulo aos coríntios (A Carta Severa)
Após a primeira carta perdida de Paulo aos crentes coríntios, os problemas naquela igreja local continuaram. Então, ao tomar conhecimento dessas situações por meio de relatórios orais e uma carta enviada pelos próprios coríntios solicitando orientação, Paulo respondeu com uma nova carta que conhecemos como Primeira Carta aos Coríntios. Isso significa que a Primeira Carta aos Coríntios da Bíblia é, na verdade, a Segunda Carta de Paulo aos Coríntios.
Mas a relação de Paulo com a igreja de Corinto continuou a ser intensa e, por vezes, complicada. Após enviar essas duas cartas, Paulo fez uma visita dolorosa à igreja de Corinto, que não está detalhada no livro de Atos, mas é mencionada na Segunda Carta aos Coríntios no Novo Testamento, nos capítulo 2 e 7.
Acredita-se que essa visita foi marcada por confrontos e tensões, de modo que até mesmo a autoridade apostólica de Paulo foi questionada. Então, foi nesse contexto, após ter saído menosprezado de Corinto, que o apóstolo escreveu outra carta, muitas vezes referida como a “Carta Severa”.
Temos conhecimento da existência dessa carta através de uma referência bíblica na Segunda Carta aos Coríntios (2 Coríntios 2; 7). Paulo diz ter escrito essa carta perdida com muitas lágrimas, enquanto estava aflito e preocupado com a situação da igreja em Corinto.
Alguns estudiosos sugerem que partes da chamada Carta Severa podem estar incorporadas na atual Segunda Carta aos Coríntios, enquanto outros acreditam que essa carta também se perdeu ao longo do tempo. Parece que Paulo enviou a Carta Severa por meio de Tito, que tinha, além disso, a missão de observar a reação dos coríntios. Depois, quando Tito se encontrou com Paulo na Macedônia, trouxe notícias encorajadoras: os coríntios haviam respondido com arrependimento e renovado compromisso.
Essa transformação trouxe grande alegria ao apóstolo, que respondeu à igreja de Corinto com uma quarta epístola, conhecida hoje como a Segunda Carta aos Coríntios no Novo Testamento. Mais tarde, acredita-se que Paulo tenha visitado pessoalmente a cidade de Corinto mais uma vez. Muitos intérpretes sugerem que foi durante essa estadia em Corinto que o apóstolo escreveu sua famosa Epístola aos Romanos.
A carta perdida de Paulo aos laodicenses
As duas cartas perdidas de Paulo aos crentes coríntios não foram as únicas. Escrevendo aos colossenses, o apóstolo Paulo fez uma menção intrigante: ele instruiu que, após a leitura da sua epístola, os crentes compartilhassem também a carta com a igreja em Laodiceia e que, por sua vez, lessem a carta que viria de Laodiceia (Colossenses 4:16). Essa referência a uma carta dos laodicenses tem sido objeto de muita discussão teológica e histórica ao longo dos séculos.
Várias teorias foram propostas para explicar a natureza dessa carta mencionada por Paulo. Alguns sugerem que Paulo estava se referindo a uma carta escrita pelos próprios laodicenses, que deveria ser lida pelos colossenses. No entanto, essa interpretação enfrenta dificuldades, pois seria incomum Paulo instruir uma igreja a ler uma carta de outra comunidade sem um contexto mais claro.
Outra hipótese é que Paulo escreveu uma carta enquanto estava em Laodiceia e a enviou aos colossenses. Contudo, não há evidências históricas que apoiem essa possibilidade, e o texto sugere que a carta era destinada aos laodicenses, não escrita a partir de lá.
Entretanto, a explicação mais provável é que Paulo escreveu uma carta aos laodicenses, que deveria ser trocada e lida também pelos colossenses. Essa prática de compartilhar epístolas era comum nas igrejas primitivas para edificação mútua.
Ao longo da história, alguns estudiosos também sugeriram que a carta mencionada por Paulo poderia ser a que conhecemos como Efésios. Isso se baseia, geralmente, na semelhança de conteúdo com a Carta aos Colossenses e na ausência de destinatários específicos em Efésios, que parece ter sido incialmente uma carta circular. No entanto, essa identificação não é consensual entre os acadêmicos. A segunda hipótese, e mais amplamente aceita, é que a Carta aos Laodicenses seja uma epístola paulina que realmente não foi preservada no Cânon Bíblico e sobre a qual nada sabemos.
A falsa carta direcionada aos laodicenses
Curiosamente, existe também uma Epístola aos Laodicenses que circulou em latim durante os primeiros séculos da era cristã. Essa carta aparece em vários manuscritos medievais, sendo o mais antigo o Códice Fuldense, datado do século 6 depois de Cristo. Apesar de sua ampla circulação no Ocidente, a autenticidade dessa epístola foi questionada por diversos líderes da igreja, como Jerônimo, que advertiu sobre sua origem duvidosa.
De fato, a origem dessa epístola latina permanece incerta. Alguns sugeriram que poderia ter sido criada por grupos heréticos, como os marcionitas, para preencher a lacuna deixada pela carta mencionada por Paulo em Colossenses 4:16. O Cânon Muratoriano, por exemplo, menciona uma certa Carta aos Laodicenses forjada no nome do apóstolo Paulo pela seita de Marcião.
Houve também tentativas de reconstruir um possível texto grego original, já que a carta contém helenismos e não flui como um texto originalmente escrito em latim. Nesse sentido, alguns teólogos argumentam que a epístola apresenta características que sugerem uma tradução do grego, propondo uma retradução para essa língua. Porém, não há evidências concretas de que uma versão grega autêntica tenha existido algum dia.
Seja como for, a epístola latina supostamente relacionada aos laodicenses, é essencialmente uma compilação de frases das Cartas Paulinas existentes, sem apresentar conteúdo novo ou distintivo. Ela começa com palavras semelhantes às encontradas em Gálatas e tem forte conexão com Filipenses. Erasmo de Roterdã, um estudioso bíblico do século 16 d.C., comentou que não há evidência mais convincente de que essa carta não é autêntica do que a própria leitura dela. Portanto, a verdadeira Carta de Paulo aos Laodicenses permanece como um mistério histórico e teológico.
E se as cartas perdidas de Paulo fossem encontradas?
Até o momento, a arqueologia bíblica não conseguiu identificar nenhum manuscrito que pudesse ser reconhecido como uma das cartas perdidas de Paulo. Por outro lado, teólogos e estudiosos concordam que, embora seja fascinante imaginar o conteúdo dessas cartas perdidas, a doutrina cristã essencial não é prejudicada pela sua ausência.
É importante compreender que a Bíblia não está incompleta por causa da ausência dessas cartas de Paulo. Infelizmente, algumas pessoas, sem qualquer conhecimento sobre o processo de formação do Cânon bíblico, propagam teorias infundadas sobre supostos livros “banidos” da Bíblia, como se uma sociedade secreta ou uma elite da época tivesse decidido arbitrariamente quais livros seriam incluídos ou escondidos do povo. Mas não foi assim que aconteceu!
As cartas perdidas de Paulo não foram incluídas entre os textos bíblicos simplesmente porque o próprio Deus não quis. Nesse ponto, precisamos reconhecer que, por algum motivo, o Senhor não permitiu que essas cartas chegassem até nós. Talvez o conteúdo desenvolvido nessas cartas perdidas já estivesse registrado em outras partes das Escrituras.
Se a providência divina tivesse desejado conservar essas cartas perdidas de Paulo, sem dúvida elas teriam sido preservadas e incluídas na Bíblia. Contudo, sua ausência não compromete a integridade da revelação bíblica que possuímos. A providência divina na preservação das Escrituras garante que temos tudo o que é necessário para a fé e a prática cristã.
Em outras palavras, podemos nos satisfazer plenamente, sabendo que tudo o que precisávamos saber foi preservado de forma completa e inerrante no Cânon Bíblico. Inclusive, do próprio apóstolo Paulo Deus permitiu que treze cartas fossem conservadas, servindo como bênção e orientação para os cristãos de todas as épocas e lugares. Portanto, do ponto de vista histórico e acadêmico, o aparecimento dessas cartas perdidas de Paulo seria interessante, mas do ponto de vista canônico, nada seria alterado.