O Que é Livre-Arbítrio? A Bíblia Diz Que Somos Livres?

Basicamente o livre-arbítrio é um conceito que afirma a liberdade absoluta da vontade do homem. A palavra “livre-arbítrio” não aparece na Bíblia, mas é tema de intensos debates entre os cristãos. Alguns defendem que o homem tem livre-arbítrio, outros afirmam que ele não tem.

A discussão sobre o livre-arbítrio não se resume apenas ao Cristianismo, na verdade nem teve origem nele. O problema da absoluta liberdade da vontade é discutido principalmente pela teologia, filosofia, psicologia e ciência.

O que é o livre-arbítrio

De forma bem resumida, podemos dizer que o livre-arbítrio é a capacidade de decisão sem qualquer tipo de influência ou condicionamento. Como foi dito, o livro-arbítrio é a expressão de liberdade da vontade humana em seu sentido mais absoluto.

A palavra “arbítrio” transmite o sentido de “decisão” ou “julgamento”. Um exemplo raso do significado de livre-arbítrio pode ser percebido na ação de um juiz esportivo. Ele não pode pender seu arbítrio para qualquer um dos lados. Ele precisa ser completamente neutro. É por isto que um juiz não pode apitar uma partida da seleção de seu país, pois acredita-se que seu arbítrio estaria prejudicado.

Muitos ensaios teológicos, filosóficos e científicos já foram desenvolvidos para tentar lidar com esse problema. Na filosofia destacam-se as teorias deterministas, indeterministas e compatibilistas.

Boa parte dos filósofos chega a conclusão sobre a inexistência do livre-arbítrio, pelo menos em seu sentido mais original. Uma parte importante da academia cientifica também adota a mesma conclusão. Há uma série de fatores que influenciam a vontade humana, como: fatores genéticos, químicos, físicos, geográficos, ambientais, culturais, educacionais etc. Segundo eles, em muitas vezes essa influência é irresistível.

O livre-arbítrio na teologia cristã

Na teologia, a discussão sobre a existência do livre arbítrio vem desde os primeiros anos da História da Igreja. Dois embates ficaram muito conhecidos: entre Pelágio e Agostinho; e entre Erasmo de Roterdã e Martinho Lutero.

Dentre todas as linhas teológicas, o Pelagianismo é aquela que defende a existência do livre-arbítrio em seu sentido pleno. Pelágio negou o pecado original, e afirmou que todos os homens nascem num estado de completa inocência. Assim, sua vontade é igualmente livre tanto para o bem quanto para o mal. Saiba o que é o pecado original.

A heresia do Pelagianismo implica que a salvação é possível mesmo sem a graça de Deus. Já o Semipelagianismo assume que a vontade do homem depois da Queda de Adão se tornou enfraquecida. Contudo, ainda ela é capaz de fazer escolhas e cooperar com a graça divina. Saiba mais sobre a doutrina do Semipelagianismo.

O Arminianismo, pelo menos em sua forma clássica, nega o livre-arbítrio após a Queda. Tanto para Jacó Armínio como para arminianos como John Wesley, o livre-arbítrio do homem caído está destruído. A menos que seja assistida pela graça divina, a vontade do homem é livre apenas para o mal. Claro que esse tipo de Arminianismo difere-se bastante da forma de Arminianismo mais propagada na atualidade.

O Calvinismo também nega o livre-arbítrio depois da Queda do homem. Essa visão entende que o homem natural é livre apenas para escolher o mal. Sua vontade é escrava do pecado, e por isso é incapaz de fazer o bem espiritual e inclinar-se na direção de Deus. Nesse caso, a menos que o Espírito Santo opere a regeneração no pecador, ele jamais poderá desejar e amar as coisas de Deus.

O livre-arbítrio na Bíblia

Como já foi dito, a palavra livre-arbítrio não aparece na Bíblia. Todavia, sem dúvida a Bíblia mostra o homem sendo convidado a fazer escolhas. Isso está de acordo com o que o homem é. Ele é um ser originalmente criado à imagem e semelhança de Deus, e moralmente responsável (Gênesis 1:27-31).

Mas por outro lado, a Bíblia também mostra o homem num estado de completa inimizade para com Deus. Isto aconteceu depois que Adão transgrediu a lei de Deus. Antes de desobedecer à ordem do Senhor, Adão e Eva desfrutavam de um estado de completa inocência. Isto significa que eles eram capazes de obedecer à lei de Deus, pois não possuíam sua natureza inclinada ao mal (Eclesiastes 7:29).

Mas depois que o primeiro casal escolheu transgredir a lei de Deus, a natureza humana tornou-se corrompida pelo pecado. Adão era o representante da humanidade, e quando ele falhou, toda a humanidade falhou nele. Isto significa que o homem já nasce em pecado (Salmo 51:5). Negar isto é negar o ensino bíblico e abraçar a heresia do Pelagianismo.

O resultado é o que podemos ler nas Escrituras. Somos informados de que todos os homens pecaram e que não há um justo se quer. Segunda a Bíblia, não há ninguém que busque a Deus (Romanos 3:10-23; cf. Gênesis 6:5). Se o homem tivesse realmente o livre-arbítrio, ele seria pecador porque pratica o pecado. Mas o ensino bíblico é o de que o homem pratica o pecado porque ele é pecador. Saiba qual é o significado de pecado na Bíblia.

Um arbítrio escravo

O apóstolo Paulo define que o homem natural é escravo do pecado (Romanos 6; cf. João 8:34). Ser escravo implica exatamente em ser privado de liberdade. O mesmo apóstolo também deixa bem claro a deficiência da vontade humana. Ele diz não ser capaz de fazer o bem que prefere, mas o mal que não quer, esse ele faz (Romanos 7:19). O profeta Jeremias escreve que o coração do homem é enganoso, mais do que todas as coisas, e também perverso (Jeremias 17:9).

A Bíblia também descarta a possibilidade de o homem, sozinho, ser capaz de uma escolha espiritualmente boa. O próprio Deus responde que é impossível que o homem mau faça o bem, assim como também é impossível que o etíope mude a cor de sua pele, e o leopardo as suas manchas (Jeremias 13:23).

Além disso, a Bíblia não mostra a vontade do homem apenas doente e debilitada, como defende o Semipelagianismo. As Escrituras afirmam que a vontade do homem caído é morta. Ele está morto em delitos e pecados. A menos que o homem seja vivificado por Deus, ele não fará o bem espiritual, nem mesmo se inclinará à vontade santa e justa do Senhor (Efésios 2:1-4).

Temos livre-arbítrio?

Como vimos, essa pergunta só poderá ser respondida desde que seja definido o que se entende sobre livre-arbítrio. Se livre-arbítrio for definido como sendo uma capacidade de escolher aquilo que sua natureza lhe possibilita escolher, então sim, o homem tem livre-arbítrio.

Porém, se livre-arbítrio for definido no seu sentido técnico, implicando uma absoluta autonomia da vontade humana, então não, o homem não tem livre-arbítrio.

A questão é que quando alguém escuta que o homem não tem livre-arbítrio, isto parece soar estranho e contraditório, afinal, fazemos escolhas todos os dias. Além disso, logo as pessoas pensam que negar o livre-arbítrio é o mesmo que afirmar que somos robôs programados para fazer determinadas coisas.

Claro que isto não é verdade. Nós tomamos decisões, fazemos escolhas e somos moralmente responsáveis por elas. Isso indica que as escolhas que fazemos são realmente nossas escolhas. Porém, isso não significa que nossa vontade é completamente livre de qualquer influência ou que não conheça limites. Aqui é importante dizer que não estamos resumindo essa questão às escolhas do nosso cotidiano. Não estamos falando de escolher a cor de uma camisa ou o sabor de um sorvete. Estamos falando da capacidade de escolher livremente entre o bem espiritual e o mal moral.

Livre-arbítrio e livre-agência

A teologia explica isso no conceito de livre-agencia. A livre-agencia significa que somos agentes livres de acordo com nossa natureza. Em outras palavras, somos plenamente livres dentro dos limites de liberdade que possuímos. Assim, nós escolhemos, decidimos e fazemos.

Por exemplo, antes da Queda, como agente livre, Adão podia escolher entre o bem e o mal, pois tinha o livre-arbítrio. Depois da Queda, com sua natureza corrompida, o homem natural ainda faz escolhas, mas suas escolhas são inclinadas ao mal. Ele não é capaz de escolher o bem porque sua natureza está limitada nesse sentido. Ele não tem mais o livre-arbítrio, mas ainda é livre-agente. Cada vez que ele toma uma ação, tal ação é livre de acordo com a vontade de sua natureza.

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O livre-arbítrio e o cristão

Isso explica o porquê da necessidade do novo nascimento. É no novo nascimento (ou regeneração) que o Espírito Santo muda a inclinação do nosso coração. Ele nos faz novas criaturas, e nos capacita a escolher aquilo que é espiritualmente bom. A imagem de Deus que foi desfigurada pelo pecado, através da ação do Espírito Santo começa a ser reconstruída. Dia após dia vamos sendo moldados à semelhança de Cristo.

Alguns cristãos acreditam que após a regeneração, o homem passa a ser dotado do livre-arbítrio novamente. Porém, mesmo depois da regeneração, a Bíblia não dá indícios de que recuperamos a capacidade de nosso livre-arbítrio.

Se isso fosse verdade, seríamos capazes de escolher nunca mais pecar. Mas a Bíblia diz que durante toda nossa vida terrena, ainda precisamos lutar contra nossa velha natureza pecaminosa com o auxílio do Espírito Santo. Esse processo é chamado de santificação, e dura a vida inteira. Por isto, toda escolha espiritualmente boa que fazemos, apesar de sermos realmente nós que escolhemos voluntariamente, os méritos não são nossos.

Com relação a nossa vida futura, a Bíblia também não indica a existência do livre-arbítrio, pelo menos não no sentido de fazer escolhas entre o bem e o mal moral. No novo céu e nova terra, o mal moral (pecado) não mais existirá. Logo, não teremos o livre-arbítrio de se rebelar contra Deus na eternidade. É por isto que nossa vida futura será muito superior ao que foi a vida de Adão no paraíso. Para Adão e Eva no Éden, o mal moral era uma possibilidade real. Para nós no novo céu e nova terra, essa possibilidade não mais existirá. Porém, ainda seremos livres-agentes.

A irracionalidade do livre-arbítrio

Neste texto não abordamos a questão da providência divina. Aqui nós não adicionamos ao nosso debate a doutrina sobre a forma com que Deus governa todas as coisas. Trataremos desde tema num outro texto. Nele, falaremos sobre a soberania de Deus e a responsabilidade humana.

Mas apenas para pontuar essa questão do livre-arbítrio, os cristãos genuínos afirmam a onisciência de Deus. Tanto calvinistas quanto arminianos concordam que Deus é onisciente e conhece exaustivamente todas as coisas (passado, presente e futuro).

Portanto, a partir do momento em que se assume que um Ser conhece o futuro, torna-se logicamente incoerente defender uma ideia de livre-arbítrio pleno. Para Deus, cada acontecimento do futuro já é um fato consumado. Calvinistas e arminianos podem debater sobre como isto acontece, mas não podem negar essa verdade.

Isso significa que nada do que Ele conhece pode ser alterado, a menos que Ele esteja errado. Outra alternativa seria negar que Deus é onisciente, assim como Teísmo Aberto faz. Logo, Deus deixaria de lado um de seus atributos para tornar o homem realmente livre. Creio que pareça óbvio que essa doutrina é uma heresia perigosa.

Também é importante que fique claro que este não deve ser um tema que cause divisão entre os cristãos. Sobre o livre-arbítrio na Bíblia, certamente a melhor posição é ir até onde as Escrituras nos permitem ir. O homem é livre para fazer suas próprias escolhas, e é responsável por cada uma delas. Ele realmente escolhe voluntariamente de acordo com sua natureza. Isso acontece de uma forma que não conflita com a soberania divina. Isso também não significa que sua vontade é absolutamente livre para escolher entre o bem espiritual e o mal moral.

Na Bíblia temos vários exemplos de homens sendo expostos a uma escolha diante de Deus. No entanto, não temos nenhum exemplo de alguém que tenha escolhido o bem espiritual unicamente pela força de sua própria vontade.

Para quem quiser provar a existência do livre-arbítrio em seu sentido pleno, basta escolher nunca mais pecar. Se conseguir, então além do livre-arbítrio existir, a Bíblia estará errada. Particularmente, “escolho” ficar com as Escrituras.

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