É amplamente aceito que quem escreveu o livro de Lucas na Bíblia foi o próprio Lucas, o médico amado e companheiro de viagem do apóstolo Paulo. Tanto o Evangelho de Lucas quanto o livro de Atos dos Apóstolos são atribuídos a ele, formando uma obra em dois volumes que detalha a vida de Jesus e o desenvolvimento da Igreja Primitiva.
Alguns críticos já tentaram rejeitar a posição de que quem escreveu o livro de Lucas foi mesmo Lucas. Foi sugerido, por exemplo, que o autor seria um cristão anônimo ou um compilador posterior que reuniu diversas tradições orais e escritas sem relação direta com Lucas. No entanto, a tradição unânime da Igreja Primitiva sempre atribuiu esses escritos a Lucas, sem qualquer contestação significativa. Pais da Igreja como Irineu, Clemente de Alexandria e Tertuliano citaram extensivamente o Evangelho, referindo-se claramente a Lucas como o autor. O Fragmento Muratorio, um dos mais antigos testemunhos canônicos, também menciona Lucas como autor e o identifica como médico.
Além disso, o próprio testemunho interno dos escritos reforça a autoria lucana. No Evangelho de Lucas, o autor se refere a si mesmo de forma indireta (Lucas 1:3), e no livro de Atos dos Apóstolos utiliza a primeira pessoa do plural em diversas passagens (Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18; 27:1–28:16), sugerindo que foi companheiro de viagem de Paulo. Essas seções “nós” indicam participação direta nos eventos narrados. Ao analisar os colaboradores de Paulo mencionados nas epístolas e em Atos, Lucas se destaca como o mais provável autor, já que outros companheiros são citados nominalmente, tornando menos plausível que fossem autores anônimos.
Estudos acadêmicos também têm destacado o uso de terminologia médica nos escritos de Lucas, corroborando sua profissão de médico. Palavras e expressões técnicas presentes no Evangelho e em Atos indicam que o autor possuía conhecimento aprofundado em medicina. Inclusive, o apóstolo Paulo se refere a ele como “o médico amado” (Colossenses 4:14), indicando não apenas sua profissão, mas também uma estreita relação de amizade.
Portanto, qualquer questionamento contrário à autoria de Lucas que já foi levantado até hoje não mostrou fundamentação ou evidências dignas de consideração. A melhor opção a respeito da autoria do Evangelho de Lucas continua sendo a posição tradicional entre os cristãos, que afirma que o conteúdo do livro foi mesmo obra de Lucas.
Quando o livro de Lucas foi escrito?
Embora o Evangelho de Lucas não forneça muitas informações biográficas sobre o seu autor, parece evidente que Lucas era gentio de nascimento e possuía uma formação educacional significativa. Sua escrita demonstra grande familiaridade com a medicina, a geografia e as particularidades do mundo greco-romano.
A data exata em que o Evangelho de Lucas foi escrito é motivo de debate entre os estudiosos, com três períodos principais sugeridos: 1) antes de 65 d.C.; 2) entre 75 e 85 d.C.; e 3) início do século II d.C.
O livro de Lucas foi escrito antes de 65 d.C.
Começando pela hipótese de que Lucas teria escrito seu livro no início da década de 60 d.C., várias evidências apoiam essa datação. Primeiramente, o livro de Atos termina com Paulo em prisão domiciliar em Roma, sem mencionar seu julgamento, possível libertação ou martírio. Se Lucas tivesse escrito após esses eventos, seria esperado que os mencionasse. Além disso, ele não relata a destruição de Jerusalém em 70 d.C., um acontecimento muito relevante para ser esquecido. A ausência dessa referência sugere que suas obras foram concluídas antes desse marco histórico.
Alguns estudiosos também apontam que Lucas não menciona a morte de Tiago, irmão de Jesus, ocorrida em 62 d.C., nem outras perseguições significativas que aconteceram posteriormente. Lucas também não demonstra conhecimento das Epístolas Pastorais de Paulo, o que sugere uma data anterior à sua ampla circulação. Isso reforça a ideia de que o livro de Atos foi finalizado por volta de 62 d.C., indicando que o Evangelho de Lucas foi escrito pouco antes.
O livro de Lucas foi escrito entre 75-85 d.C.
Se na primeira hipótese os estudiosos se apoiam no silêncio de Lucas sobre a destruição de Jerusalém em 70 d.C. como argumento a favor de uma data mais recuada para a redação do Evangelho de Lucas, os defensores desta segunda hipótese argumentam que algumas passagens de Lucas parecem descrever com precisão o cerco e a destruição de Jerusalém, levando a crer que foram escritas após o evento (cf. Lucas 19:43-44; 21:20-24).
Além disso, a menção de que “muitos já empreenderam uma narração dos fatos” em Lucas 1:1 pode indicar que várias obras cristãs já estavam em circulação quando o livro foi escrito, sugerindo uma data posterior. Por fim, alguns também argumentam que certas nuances teológicas presentes em Lucas refletem um período mais avançado de reflexão doutrinária na Igreja Primitiva.
O livro de Lucas foi escrito no começo do século II d.C.
A terceira hipótese — e menos aceita — de datação da obra de Lucas sugere que o evangelista teria utilizado obras como “Antiguidades Judaicas”, de Flávio Josefo, escrita em 93 d.C., como fonte de consulta, o que implicaria numa data posterior. Alguns também acreditam que certas referências e detalhes da obra de Lucas apontam para um contexto do início do século II, quando a Igreja enfrentava novos desafios e perseguições.
No entanto, os argumentos a favor de datas mais tardias enfrentam dificuldades significativas. As referências proféticas de Lucas podem ser entendidas como predições genuínas de Jesus, não exigindo necessariamente uma data posterior à destruição de Jerusalém. Além disso, a hipótese de que Lucas utilizou Flávio Josefo é questionável, pois as supostas coincidências podem ser explicadas por fontes comuns ou conhecimento geral da época.
Portanto, as evidências internas e externas apontam firmemente para Lucas como o autor do terceiro Evangelho e de Atos dos Apóstolos. Além disso, a precisão histórica de Lucas, a ausência de menção a eventos cruciais posteriores a 62 d.C. e a tradição da Igreja Primitiva indicam uma data na primeira metade da década de 60 d.C. como mais provável. Se o Evangelho de Lucas tivesse sido escrito no século II, seria difícil explicar sua rápida aceitação e autoridade nas comunidades cristãs, bem como seu uso por Pais da Igreja que viveram numa data mais recuada.