A Mulher e o Dragão no Apocalipse
O capítulo 12 do livro do Apocalipse onde é narrado o relato sobre a mulher e o dragão, é um dos mais conhecidos e debatidos desse livro. A figura do dragão como símbolo de Satanás, e a figura do filho da mulher como sendo Jesus, é praticamente um consenso. Porém, todo esse debate fica por conta da seguinte pergunta: Quem é a mulher em Apocalipse 12?
Existem diversas interpretações que se propõem a responder esta pergunta. A seguir, conheceremos algumas destas interpretações, e qual delas é a que se apresenta mais coerente com as Escrituras.
Quem é a mulher em Apocalipse 12?
- A mulher é Maria: essa é a interpretação defendida pela Igreja Católica, que entende que a mulher é um símbolo de Maria. Essa é uma das passagens mais utilizadas pelo catolicismo para defender uma ascensão de Maria ao céu.
- A mulher é a Nação de Israel: essa é a interpretação preferida por quem defende o Pré-Milenismo Dispensacionalista, mas também existem estudiosos de outras linhas escatológicas que defendem essa posição. Nessa interpretação, os 1260 dias em que a mulher foge para o deserto, representam o período de Grande Tribulação.
- A mulher é a Igreja: essa interpretação entende que tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, a Igreja é uma só, logo, a mulher é um símbolo da Igreja.
A Mulher e o Dragão: Qual a melhor é a melhor interpretação?
Primeiramente, é importante entender a estrutura de organização do conteúdo do Apocalipse, bem como seu estilo literário. Sabemos que basicamente existem duas maneiras de organizar o livro, sendo: em ordem sucessiva e cronológica; e em ordem paralela progressiva. Você pode saber mais sobre isso lendo o texto “Leitura de Sucessão ou Recapitulação em Apocalipse?“.
Após entender que a Leitura de Recapitulação, ou Paralelismo Progressivo, é a que melhor se encaixa ao conteúdo do livro, é possível identificar as sete seções as quais o livro está internamente dividido, ou seja, no Apocalipse a mesma história que compreende desde a primeira até a segunda vinda de Cristo é contada várias vezes, porém com ângulos ou focos diferentes.
As sete seções também podem ser organizadas em duas grandes seções, sendo a primeira entre os capítulos 1 ao 11 (agrupando três seções menores), e a segunda entre os capítulos 12 ao 22 (agrupando quatro seções menores, e totalizando as sete seções).
O tema de ambas as divisões maiores do livro é o mesmo, isto é, a vitória de Cristo e de sua Igreja. Mas, enquanto a primeira grande seção nos mostra a luta externa entre a Igreja e o mundo, a segunda grande seção nos mostra a profundidade por trás das cenas, ou seja, nos mostra uma guerra que os olhos carnais não podem ver. Então, enquanto na primeira seção vemos o conflito entre a Igreja e o mundo iníquo, na segunda seção vemos porque existe esse conflito, quando João nos informa de outro conflito, o conflito entre Cristo e Satanás (o dragão).
Voltando às sete seções menores, na primeira seção (Os Sete Candeeiros caps. 1-3) vemos como Cristo se revela através de sua Igreja, e como Ele a conhece profundamente. Na segunda seção (Os Sete Selos caps. 4-7) vemos a perseguição clara do mundo contra essa Igreja. Na terceira seção (As Sete Trombetas caps. 8-11) temos o juízo parcial de Deus, também como resposta às orações da Igreja perseguida, sendo derramado em forma de aviso contra o mundo perseguidor. E, finalmente, na quarta seção em questão (caps. 12-14) temos o dragão e seus aliados atacando a Igreja como reflexo da luta que os olhos não veem, como já foi citado.
No capítulo 12 vemos que o propósito principal do dragão é destruir o filho da mulher (Cristo). Por conta disso, a mulher é perseguida por ele, a fim de que o nascimento do menino fosse evitado. Esse conflito é anunciado ainda no livro de Gênesis 3:15:
E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.
(Gênesis 3:15)
A “semente” da mulher em Gênesis 3 é o “filho varão” em Apocalipse 12, bem como a “serpente” é o “dragão” (Ap 12:9). Podemos ver a realidade desse conflito anunciado no primeiro livro da Bíblia e por todo o Antigo Testamento, com a tentativa de Satanás em frustrar a promessa inicial de Gênesis.
Ainda no Antigo Testamento temos várias referências que comprovam que a o simbolismo da mulher no Apocalipse é uma referência a Igreja (cf. Is 50:1; 54:1; Os 2:1;), e essa Igreja forma um só povo escolhido em Cristo, um só rebanho, um só corpo, uma só esposa, uma única nação santa, um povo de propriedade exclusiva de Deus (Is 54; Am 9:11; Mt 21:33; Rm 11:15-24; Gl 3:9-16,29; Ef 2:11; Ef 5:32; 1Pe 2:9; Ap 4:4; 21:12-14). O Apóstolo Paulo afirma que Abraão é pai de todos os crentes, circuncidados ou não.
Com base nisso tudo, creio que já começa ficar claro qual é a posição mais coerente sobre a identidade da mulher, não é mesmo? O tema principal do livro do Apocalipse é a vitória de Cristo e de sua Igreja. Portanto, não faria qualquer sentido uma citação repentina sobre Maria ou sobre o Israel étnico. Isso quebraria o estilo, a organização e o raciocínio do conteúdo do livro do Apocalipse.
Além do mais, qual seria a importância prática para os irmãos das sete igrejas da Ásia menor, que estavam vivendo uma intensa perseguição pelo Império Romano, uma descrição de Israel ou de Maria como sendo a mulher perseguida no capítulo 12?
Considerando o contexto histórico, não faria muito mais sentido aqueles irmãos entenderem que a mulher é um símbolo da Igreja? Certamente essa foi a interpretação daqueles irmãos, que puderam ver a guerra que existe por trás da perseguição a Igreja de Cristo sofre.
É claro que Maria está incluída como membro que desempenhou um papel fundamental nesse grupo simbolizado pela mulher, bem como o próprio Israel, a qual tivera a revelação especial de Deus (Rm 2; 3) e formava a Igreja do Antigo Testamento, embora claramente não devemos entender que todos os judeus do Antigo Testamento fizeram parte da Igreja, portanto há uma diferença entre o Israel étnico e o Israel como Igreja do Antigo Testamento.
Logo, a mulher é um símbolo da única Igreja de Cristo em todos os tempos. Para uma melhor compreensão, devemos perceber que o capítulo 12 primeiramente enfatiza a Igreja do Antigo Testamento, e após o versículo 13 a descrição passa a incluir os santos da nova dispensação, enfatizando a Igreja do Novo Testamento. O versículo 17 deixa isto muito claro ao dizer que o dragão “foi pelejar com os restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus“.
A descrição da mulher
O capítulo 12 faz uma descrição da mulher. Ela está vestida de sol (vers. 1), o que significa que ela é gloriosa e exaltada, e reflete o brilho da glória de Deus. Ela tem a lua debaixo de seus pés (vers. 1), isto é, ela exerce domínio pela autoridade outorgada pelo próprio Cordeiro. Ela tem em sua cabeça uma coroa de doze estrelas (vers. 1), ou seja, ela é vitoriosa, ela é vencedora.
A mulher está grávida (vers. 2), o que significa que ela tem uma grande missão: dar a luz a Cristo segundo a carne (Rm 9:5). Aqui é mais uma clara referência a Igreja do Antigo Testamento, através de um povo especialmente escolhido por Deus pela qual o Messias viria ao mundo. Esse processo não foi nada fácil. O dragão perseguiu ferozmente esse povo, essa igreja, essa mulher, mas Deus a guardou, e na plenitude dos tempos Jesus nasceu.
Por fim, vemos também que a mulher é protegida por Deus (vers. 6, 14). O livro do Apocalipse mostra essa proteção de forma maravilhosa. Nele, sabemos que a Igreja é selada (Ap 7:3; 9:4), é medida e separada (Ap 11:1), e no capítulo 12 vemos que ela recebe asas (vers. 14).
Tudo isto significa que Deus protege pessoalmente o seu povo do poder perseguidor do dragão e de seus aliados. Durante 1260 dias, que simboliza o período da Igreja e da pregação do Evangelho, a Igreja estará protegida. Isso não significa ausência de problemas, ao contrário, significa que nada pode parar o avanço da pregação da Palavra, de modo que, se for preciso, Deus concede poder aos seus eleitos para que sejam mortos por amor ao seu nome (Ap 6:9,11; 14:13).
A descrição do Filho da mulher
Aqui não há qualquer dúvida de que o Filho da mulher é o Messias. No versículo 5 mostra esse “Filho homem” como alguém muito poderoso “que há de reger as nações com cetro de ferro“. Essa é uma citação do Salmo 2:9, que é um salmo messiânico, inclusive aplicado pelo próprio Cristo em Apocalipse 2:27.
O versículo 5 mostra que esse Filho subiu ao céu para assentar-se no trono. Aqui está englobado todo o processo de exaltação de Cristo, desde sua humilhação, morte, ressurreição até sua ascensão ao céu. Finalmente o versículo 10 deixa explicito de que o Filho da mulher se trata de Jesus, ao dizer que “agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo“.
A descrição do dragão
O dragão simboliza Satanás (Ap 20:2), um ser pessoal que possui uma grande obsessão em atacar o Filho da mulher. Ele possui sete cabeças coroadas, que simbolizam seu domínio mundial (cf. Lc 11:20-22; At 26:18; Ef 2:2; 6:12; Cl 1:13). Essas coroas não são coroas de glória e de vitória, mas coroas de pretensa autoridade, pois ele tenta ser um imitador do Cordeiro. Os dez chifres simbolizam o seu poder destrutivo. O próprio Jesus disse que o dragão “veio para matar, roubar e destruir” (Jo 10:10).
Porém algo importante é descrito: Satanás cai. O capítulo 12 mostra que Miguel e seus anjos lutaram contra o dragão e seus anjos, e o dragão e seus anjos não foram apenas derrotados, mas também foram expulsos do céu e lançados à terra (vers. 9).
Aqui sabemos que, ao contrário do que muita gente pensa, a morada de Satanás é a terra. Essa expulsão não se refere a uma queda inicial de Satanás, mas de sua derrota no tempo da crucificação e ressurreição de Cristo (Jo 12:31; Cl 2:15; Ap 12:12)
No versículo 10 se escuta uma grande voz no céu dizendo que “o acusador de nossos irmãos é derrubado“. O significado dessa expressão fica claro em Jó 1:9-10. Com a morte, ressurreição e ascensão de Cristo ao céu, Satanás sofre uma derrota esmagadora, anulando qualquer acusação contra aqueles que estão em Cristo Jesus. O capítulo 12 revela Satanás sendo lançado na terra, já o capítulo 20 revela Satanás sendo lançado definitivamente no Lago de Fogo.
Como ele falhou em destruir o Filho da mulher, agora ele volta sua atenção para a mulher. Ele tenta afogar a Igreja com um rio de mentiras, desilusões e falsas teorias filosóficas, e, com toda sua cólera ele pelejará contra os fiéis (vers. 17), porém Deus os protege.
Por fim, nos capítulos seguintes do Apocalipse, vemos que conforme o dragão vai sendo frustrado em seus planos, e vê suas mentiras e fraudes não surtirem efeito diante da Igreja verdadeira, ele recruta alguns aliados para lhe servirem nessa missão: a besta que sobre do mar, a besta que sobe da terra e a grande Babilônia. Mas o dragão, e todos os seus aliados serão derrotados (caps. 17-20).
Para concluir, reconheço que todas as correntes escatológicas possuem suas dificuldades, isso pelo simples fato de que a segunda vinda de Cristo e a consumação da presente era ainda não ocorreram. Portanto, embora pessoalmente eu não concorde com algumas interpretações por não encontrar fundamentação bíblica suficiente, respeito meus irmãos em Cristo que adotam uma posição diferente da minha. O melhor de tudo é que juntos temos a esperança de que um dia iremos compreender todas essas coisas definitivamente ao lado do nosso Senhor.
Apoio Teológico:
As Diferentes Correntes Escatológicas
Métodos de Interpretação do Livro de Apocalipse
Leitura de Recapitulativa ou Progressiva de Apocalipse?
Qual o Significado das Sete Igrejas do Apocalipse?