Quem Eram os Gibeonitas na Bíblia?
Os gibeonitas eram os habitantes da cidade de Gibeão (ou Gibeom), uma antiga cidade cananeia localizada aproximadamente 9 km a noroeste de Jerusalém. Na história bíblica, os gibeonitas se destacam como um dos povos mais antigos da terra de Canaã e ficaram conhecidos principalmente por sua astuta estratégia para sobreviver à conquista israelita sob a liderança de Josué.
Como habitantes de uma das cidades mais significativas da região central de Canaã, os gibeonitas eram heveus (possivelmente horreus ou hurritas) que desenvolveram uma comunidade próspera em uma localização estratégica. Gibeão não era apenas uma cidade isolada, mas fazia parte de uma confederação que incluía as cidades de Quefira, Beerote e Quiriate-Jearim, formando uma aliança política e militar importante na região.
A astúcia dos gibeonitas
O episódio mais famoso envolvendo os gibeonitas está registrado em Josué 9, onde eles demonstraram notável perspicácia política diante do avanço israelita. Após testemunharem a queda de Jericó e Ai, os gibeonitas compreenderam que não poderiam resistir militarmente ao exército de Josué. Em vez de enfrentar uma destruição certa, eles elaboraram um engenhoso plano de sobrevivência.
Os gibeonitas enviaram uma delegação até Josué, mas não como embaixadores locais. Eles se apresentaram como viajantes de terras distantes, usando roupas gastas, sandálias remendadas e carregando pão mofado e odres de vinho rachados. Essa encenação tinha um propósito específico: fazer com que Josué acreditasse que eles vinham de muito longe e, portanto, não estavam incluídos na ordem divina de destruir todos os povos de Canaã.
A estratégia funcionou perfeitamente. Josué e os líderes israelitas, sem consultar ao Senhor, fizeram um tratado de paz com os gibeonitas, jurando diante de Deus que não os destruiriam. Somente três dias depois descobriram que haviam sido enganados e que os gibeonitas eram, na verdade, seus vizinhos próximos.
As consequências do tratado
Quando a verdade veio à tona, os israelitas se encontraram em uma situação delicada. Por um lado, haviam sido claramente enganados. Por outro lado, tinham jurado diante do Senhor, e quebrar um juramento feito em nome de Deus seria um pecado grave. Josué decidiu honrar o tratado, mas impôs aos gibeonitas uma condição de servidão perpétua como “rachadores de lenha e tiradores de água” para a congregação de Israel e para o altar do Senhor.
Esta decisão, embora preserve a integridade do juramento israelita, trouxe consequências imediatas. Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, juntamente com outros reis amorreus, ficaram alarmados ao saber que Gibeão havia feito paz com Israel. Eles organizaram uma coalizão militar para atacar Gibeão como punição por sua “traição” aos povos cananeus.
A Batalha de Bete-Horom
O ataque dos reis amorreus contra Gibeão precipitou um dos eventos mais memoráveis da conquista de Canaã: a Batalha de Bete-Horom. Os gibeonitas, agora aliados de Israel, enviaram mensageiros urgentes a Josué pedindo socorro militar. Josué, honrando o tratado estabelecido, marchou toda a noite com seu exército desde Gilgal até Gibeão.
A batalha resultou em uma vitória espetacular para Israel, marcada por duas intervenções divinas extraordinárias. Primeiro, Deus enviou uma chuva de granizo sobre os inimigos em fuga, matando mais soldados com as pedras de granizo do que os próprios israelitas haviam eliminado em combate. Segundo, atendendo ao pedido de Josué, Deus fez o sol se deter no meio do céu, prolongando o dia para que a vitória fosse completa.
A vida dos gibeonitas sob Israel
Após a conquista, quando as tribos israelitas dividiram a terra, Gibeão ficou dentro do território de Benjamim. Os gibeonitas mantiveram sua condição de servos, mas aparentemente desenvolveram uma relação estável com os israelitas. Evidências arqueológicas revelam que Gibeão parece ter sido um centro importante de produção de vinho, com o achado de dezenas cavidades escavadas na rocha que serviam como adegas para armazenamento do vinho em temperatura controlada.
A cidade também se destacou por seu impressionante sistema de abastecimento de água. Os gibeonitas construíram um grande tanque circular com 11 metros de diâmetro e 24 metros de profundidade, conectado por um túnel de 51 metros a uma cisterna que recebia água de uma fonte externa. Este sistema engenhoso garantia água potável mesmo durante cercos prolongados, demonstrando a habilidade técnica e o planejamento estratégico dos gibeonitas.
Os gibeonitas perseguidos por Saul
A relação entre Israel e os gibeonitas nem sempre foi pacífica. Durante o reinado de Saul, ocorreu um episódio sombrio que trouxe consequências duradouras. Saul, movido aparentemente por zelo nacionalista ou intolerância étnica, promoveu um massacre contra muitos gibeonitas, violando assim o antigo tratado estabelecido por Josué.
Esta violação do juramento trouxe julgamento divino sobre Israel na forma de uma fome que durou três anos durante o reinado de Davi. Quando Davi consultou ao Senhor sobre a causa da fome, foi informado de que ela resultava da culpa de sangue da casa do rei Saul pelos gibeonitas mortos. Para fazer expiação, os gibeonitas exigiram que sete descendentes de Saul fossem entregues para execução. Davi atendeu ao pedido, poupando apenas Mefibosete por causa de seu juramento com Jônatas.
Outros eventos históricos em Gibeão
Além dos episódios diretamente relacionados aos gibeonitas, a cidade de Gibeão foi palco de outros eventos significativos na história de Israel. Durante o período conturbado que se seguiu à morte de Saul, Gibeão testemunhou um trágico confronto militar que ficaria marcado na memória nacional.
O famoso concurso entre doze soldados de Abner (comandante das tropas de Is-Bosete) e doze soldados de Joabe (comandante das tropas de Davi) ocorreu junto ao açude de Gibeão, embora este evento não tivesse relação direta com o povo gibeonita.
O que deveria ter sido um combate representativo para decidir o conflito entre os dois grupos israelitas terminou em tragédia quando todos os vinte e quatro jovens morreram simultaneamente. Por causa desse acontecimento, o local recebeu o nome de Helcate-Hazurim, que significa “Campo das Espadas”. Como a guerra pela representação não foi decisiva, Joabe perseguiu Abner através do Jordão, embora não tenha conseguido capturá-lo.
Mais tarde, novamente a terra dos gibeonitas serviu de cenário para outro evento importante na história da monarquia israelita, durante o reinado de Salomão. A Bíblia registra que o jovem rei foi ao lugar alto da cidade para oferecer sacrifícios ao Senhor.
Ali, Deus apareceu a Salomão em sonho, oferecendo-lhe qualquer presente que desejasse. O rei Salomão respondeu ao Senhor pedindo sabedoria para governar o povo de Deus. Essa resposta agradou tanto ao Senhor que Ele concedeu não apenas sabedoria incomparável, mas também riquezas e honra (1 Reis 3:4; 2 Crônicas 1:13ss.).
Este lugar alto em Gibeão é mencionado outras vezes nas Escrituras, destacando sua importância como centro de adoração antes da construção do templo em Jerusalém (cf. 1 Crônicas 16:39; 21.29).
O legado dos gibeonitas
A história dos gibeonitas oferece várias lições teológicas importantes. Primeiro, demonstra que a sabedoria humana, mesmo quando exercida com astúcia, deve ser submetida à orientação divina. Os líderes israelitas falharam ao não consultar a Deus antes de fazer o tratado. Segundo, revela a importância da fidelidade aos juramentos nos tempos veterotestamentários, mesmo quando feitos em circunstâncias desfavoráveis. Terceiro, mostra como Deus pode usar até mesmo o engano humano para cumprir seus propósitos soberanos.
Durante o período pós-exílico, gibeonitas como Melatias participaram da reconstrução dos muros de Jerusalém sob Neemias, demonstrando sua integração contínua na comunidade israelita. Outros gibeonitas notáveis incluem Ismaías, descrito como “valente entre os trinta”, indicando que alguns gibeonitas alcançaram posições de destaque militar em Israel.