Quem Foi Doegue na Bíblia?
Doegue foi um servo de Saul durante o tempo em que o primeiro rei de Israel estava perseguindo Davi. Dominado pela ira e pela inveja, o rei Saul ficou obcecado por matar o jovem guerreiro Davi que tinha conquistado grande fama entre os israelitas devido às suas vitórias em batalhas. Nesse contexto, a história de Doegue ficou conhecida na Bíblia por conta de seu caráter perverso e dissimulado.
A Bíblia diz pouco sobre quem foi Doegue. O texto bíblico apenas registra que ele era um edomita que servia Saul na gestão de seus rebanhos. Na verdade, a Bíblia descreve Doegue como sendo o mais poderoso dos pastores de Saul (1 Samuel 21:7). Obviamente essa devia ser uma posição importante, pois os rebanhos eram parte fundamental na composição das riquezas de um homem naquele tempo.
De acordo com a tradição, o nome Doegue provavelmente significa “ansioso” ou “tímido”. Porém, quando o nome Doegue no livro de Samuel é comparado com esse mesmo nome no título do Salmo 52, percebe-se que esse nome foi escrito com duas grafias diferentes, mais especificamente duas vogais diferentes. Isso tem feito muitos comentaristas acreditarem que esse não era um nome semita, ou seja, era um nome estrangeiro, de modo que os massoretas devem ter tido alguma dificuldade para transcrevê-lo.
Alguns intérpretes judeus acreditam que a variação na grafia do nome Doegue tinha a ver com alguma maldição implícita. Inclusive, num comentário talmúdico Doegue é retratado como alguém que era profundamente conhecedor da Torá, mas que insistia em se deleitar na injúria.
Na verdade, esse tipo de comentário sobre Doegue geralmente se baseia na interpretação de que a conduta tola e perversa, condenada no Salmo 52, de alguém que despreza a sabedoria e confiança no Senhor, era a conduta de Doegue — embora seja possível que no Salmo 52 Davi estivesse não apenas pensando em Doegue, mas também em Saul. De qualquer maneira, Doegue é retratado de forma muito negativa tanto no texto bíblico quanto na tradição talmúdica.
Doegue na Bíblia
No texto bíblico, Doegue é citado no contexto em que Davi fugiu de Saul e procurou auxílio em Nobe, onde estavam os sacerdotes. A presença de Doegue no santuário em Nobe é um tanto quanto misteriosa. Isso porque ele era um edomita, ou seja, um descendente de Esaú.
Como edomita, Doegue nasceu fora da família da aliança. Por esse motivo, muitos comentaristas acreditam que provavelmente ele era um prosélito da religião judaica. Pode ser que ele tivesse se convertido à fé hebraica para manter seu emprego de confiança junto de Saul. Outros acreditam que talvez ele fosse um judeu originário do território de Edom. Seja como for, alguma dessas opção deve estar correta, caso contrário ele não poderia ter entrado no santuário.
A Bíblia registra que Doegue estava detido perante o Senhor (1 Samuel 21:7). O escritor bíblico não explica exatamente a razão de Doegue estar detido no santuário, mas talvez tivesse a ver com algum pecado particular de sua parte, ou com algum sacrifício de purificação, ou até por estar cumprindo algum voto que havia feito.
A dissimulação e perversidade de Doegue
Doegue era uma pessoa dissimulada e pronta para fazer qualquer coisa para ganhar a aprovação de seu líder. Ele era daquele tipo de servo cuja lealdade está alinhada apenas aos seus próprios interesses egoístas.
Quando Davi procurou o sacerdote Aimeleque em Nobe e percebeu a presença de Doegue no santuário, tão logo ele soube que isso resultaria em algum problema. Davi sabia que na primeira oportunidade Doegue o denunciaria a Saul, e, de fato, foi o que aconteceu (cf. 1 Samuel 22:22).
O ato de Doegue em informar Saul sobre a presença de Davi em Nobe, embora verídico, foi feito com intenções maliciosas. Ele deliberadamente distorceu o papel do sumo sacerdote Aimeleque na assistência a Davi, criando uma narrativa que causou a morte de inúmeros inocentes.
Doegue não mentiu quando disse que havia visto Davi em Nobe, e que Aimeleque lhe deu mantimento e a espada de Golias. Porém, Doegue mentiu quando disse que o sumo sacerdote Aimeleque havia consultado ao Senhor por Davi, pois não há nenhuma evidência no texto bíblico de que o Urim e o Tumim foram utilizados naquela ocasião. Mas uma mentira como essa, certamente acrescentaria mais detalhes numa história conspiratória que inflamaria ainda mais a ira do perturbado rei de Israel.
Doegue era calculista e maquinava adversidades. Ele era um mentiroso que amava mais o mal do que o bem, e que preferia a falsidade ao invés da justiça. Doegue era amante das palavras devoradoras e sua língua enganosa feria como uma navalha amolada (cf. Salmo 52).
Saul, por outro lado, também não escapa da crítica. Seu julgamento apressado, baseado em informações distorcidas e seu desejo inabalável de eliminar qualquer suposta ameaça ao seu reinado, ilustra os perigos do poder quando não é equilibrado por sabedoria e retidão. A paranoia de Saul e sua incapacidade de discernir a verdade levaram a um dos momentos mais sombrios da história de Israel.
Doegue era sanguinário
O rei Saul ordenou um massacre em Nobe, e quando os seus servos se recusaram a cumprir aquela ordem absurda, Doegue se mostrou disposto a matar todos os sacerdotes do Senhor que havia ali. A Bíblia diz que oitenta e cinco sacerdotes morreram naquele dia.
Sem dúvida o que Doegue fez contra os sacerdotes do Senhor foi algo horrível, mas ele conseguiu levar sua perversidade ainda mais longe. A Bíblia informa que o sanguinário Doegue massacrou toda a cidade de Nobe, matando homens, mulheres, crianças e até animais. Naquela ocasião apenas Abiatar, um dos filhos de Aimeleque, conseguiu sobreviver. Ele escapou do massacre e procurou proteção com Davi.
A execução dos sacerdotes de Nobe, comandada por Doegue, e o consequente extermínio dos habitantes daquela cidade, é uma triste lembrança do quão longe a ambição humana pode ir quando desenfreada por moralidade, ética e, principalmente, pelo temor do Senhor. Doegue vivia como um israelita, dizia confessar a mesma fé da comunidade da aliança, havia estado no santuário, conhecia a Lei do Senhor, e mesmo assim não hesitou em fazer o mal. O homem caído no pecado é capaz de fazer atrocidades inimagináveis, e ser conhecedor das Escrituras, frequentar templos, participar de cultos ao Senhor ou andar no meio do povo de Deus, não são provas de uma conversão genuína e de um coração regenerado.
Contudo, o massacre de Nobe não foi apenas o ato isolado de crueldade de um homem perverso, mas também uma manifestação do declínio moral e espiritual de Israel sob o reinado de Saul. Um rei que deveria unir e proteger seu povo, acabou trazendo divisão e destruição. No entanto, apesar daquela tragédia, a história estava sendo conduzida de acordo com a soberania divina e seu propósito de redenção e restauração. À luz do Salmo 52 podemos entender que a dinastia de Davi seria preservada pelo Senhor, enquanto Doegue e Saul seriam julgados e rejeitados por sua falta de integridade, justiça e temor a Deus.